sexta-feira, abril 27, 2007

Oração de Hoje...


Hoje,
sinto-me um deserto
de pele árida
pela ausência
das tuas carícias…
Hoje,
meus passos perderam
o movimento rítmico de liberdade…
transformaram-se
num caminhar sem rumo...
Hoje,
quando respiro,
o ar traz consigo
a tua essência
que inebria os sentidos
e perfuma o meu coração…
Hoje,
dou graças
e permito-me amar-te
e amar-me como ninguém...
Hoje e sempre
AMEN !



A gravura foi presente da minha querida Aldora do blog Gatinhos Voadores

PARA TI UM BEIJO MEU!
BEIJOS!

quarta-feira, abril 25, 2007

Eu estava aqui no 25 de Abril... E tu onde estavas?

Em 25 de Abril de 1974, Maria frequentava Medicina na Universidade de Lourenço Marques. Vivia com a mãe, seus dois meios-irmãos e a filha, no 6º andar do PH-9 no Bairro da Coop. A 19 de Abril o seu irmão fora preso em Lisboa com muitos outros estudantes e opositores ao regime numa reunião preparatória do Primeiro de Maio. Estava em Caxias, mas como se encontrava em liberdade com pena suspensa de uma anterior prisão a todo o momento esperava notícias da sua transferência para Peniche… Ia começar a “via-sacra” das medidas de segurança…
Por volta das 21 horas receberam de Portugal uma chamada telefónica de sua tia de que retiveram a importante mensagem:
Houve uma Revolução em Portugal! Liguem o rádio!
A 26 de Abril escreve a seguinte carta a seu marido, a cumprir serviço militar como alferes miliciano médico no Toto em Angola... Escreviam-se diariamente…

“L. Marques, 26/4/74

Meu Querido:

Hoje não tenho carta a responder-te. Contar-te o meu dia é contar-te que desde as 22 horas de ontem tenho vivido as maiores emoções desde criança. Não nos deitamos com o intuito de ouvir o maior número de notícias. Que mais contar-te? Que de certo modo lamento não estar agora no meu “puto”** contigo? Que no entanto vou aproveitar o que de novo existe para mais me interessar por Moçambique? Que pode afinal ser precisa a nossa presença no Portugal Novo?
Querido! Portugal Novo! Apreende todo o significado do que isto quer dizer? Amo-te! Viva Portugal! Penso que também tem ouvido as notícias! Aguardo as suas cartas que me contarão como passou estes momentos.
Compreende a minha excitação? Tanta que não dormi hoje. Ao entrar na Faculdade ouvia-se Zeca a cantar Os meninos do Bairro Negro… As aulas, transformaram-se em reuniões, enfim as pessoas saúdam-se de um modo novo.
O meu pensamento voa para todos os meus queridos que morreram sem verem este acontecimento, depois de anos e anos de luta que não podemos agora passar em vão.
Até amanhã.
VIVA PORTUGAL!
Amo-te, neste Portugal Novo.
Tua,
……….
P.S. Sempre é bom nascer portuguesa! Neste momento tenho orgulho de o ser.
Viva Portugal! “
**“puto” nome carinhoso dado em África a Portugal.



Se para mim és Abril
Onde te posso encontrar?

Se puderes conter

num só traço a minha cor…
Agarra o sonho que nos libertou

quero cantar essa madrugada…

Se tens contigo um relógio…
um calendário…
pergunta ao tempo

se é ainda possível guardar
a luz…os sorrisos…
que toda a gente encontrou…

Se num momento

me quiseres ainda olhar
sem partir…

Beijar-te é já um final…

Não sou flor de teu jardim...

Mas nunca esqueças…

Vem e traz simplesmente…
Um cravo!
25 de Abril de 2007
Que me desculpem todos os outros... Vou destacar os depoimentos dos que cumpriam serviço militar em Portugal ou em África…
"VIVA O 25 DE ABRIL!
Eu estava a cumprir o serviço militar obrigatório e por isso vejo com alguma relutância o despudor com que se fala da Revolução. Principalmente quando os que o fazem foram os grandes beneficiários de lutas em que nunca participaram. Talvez por isso cada vez me seja mais difícil guardar algum sorriso que não de escárnio.
"No 25 de Abril estava eu no mato, lá longe onde sol castiga mais, na floresta do Maiombe - Cabinda. Quando tivemos a notícia do 25 de Abril entramos em prevenção. Aguardávamos ansiosos notícias do "puto" para saber mais pormenores, mas não descuramos a guarda pois tudo podia acontecer. Houve várias peripécias e um dia entrou pelo quartel um grupo do MPLA para conversações a fim de lhes ser entregue o quartel. Vi um jovem do outro lado. Olhei bem para ele e ele para mim. Caímos nos braços um do outro. Era um moço que tinha trabalhado comigo em Luanda e perseguido pela PIDE devido às suas ideias, se tinha alistado no MPLA.Sabes uma coisa papoila? Não acredito em deuses, mas naquele momento agradeci a "eles" o facto da ponta da minha arma nunca ter sido apontada para o peito dele.Hoje guardo uma recordação desse momento, um chapéu que troquei, e que coloquei na minha cabeça juntando o meu suor ao suor dele.
25 de Abril, Ontem... Hoje... E Sempre!
Tudo de bom
Marius70" http://marius70.blogs.sapo.pt/
"Recordações e homenagem a um dia histórico deste velho país.E já se passaram 33 anos, Maria!Parece que foi há tão pouco tempo...Perguntas no teu título: "Onde estavas tu?"Se quiseres saber, podes ir ler ao meu blog velho, o do Blogger, o post que eu escrevi em 25 de Abril de 2005, ainda o "Eu sou louco!" era uma criança.Acho que encontrarás um documento com algum valor histórico.

25 de Abril SEMPRE!

segunda-feira, abril 23, 2007

Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor...

Escritos porque se tem que o fazer
o tempo corre... e consegue-se recordar ...
pela dor...pela cura... pela vida...
Pelos sonhos que não se vivem...
Escritos sem pensar como
sem planear quando
sem premeditar o fim...
Escrever sem pontos nem virgulas
por intuição... intenção... inspiração...
transpiração…por uma causa… uma razão…
Escrever como quem ama
ou como as rosas perfumam
sem nunca perder a paixão...
Escrever porque se tem algo a dizer ...
algo que calar… por algo que se tem…ou que não se tem ...
Sem excluir… sem somar… sem subtrair…
muito menos ignorar!
Escritos quando se tem fome
quando se está morto
quando se está vivo
quando o silêncio fala
e não há sede que o sacie...
Escrever… publicar… ler
sempre e para sempre
para ti… por mim… para nós…
historicamente…revolucionaramente...
metaforicamente... eternamente!
Como uma forma universal
de ser e não ser
e assim viver ...
Para que cada livro
seja a luz de uma estrela
e cada prosa uma vida
que vive nela…

A 23 de Abril por decisão da UNESCO de 1995, comemora-se o Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor. A data presta homenagem a Shakespeare e Cervantes que morreram a 23 de Abril de 1616 e corresponde ao dia de S.Jorge .Num costume da Catalunha no dia de S.Jorge em troca de uma rosa vermelha as raparigas oferecem um livro a seus namorados... A imagem é uma tela de Van Gogh.

OS BLOGS QUE ME FAZEM PENSAR...

Os meus amigos António do blog Eu Sou Louco! , Jorge do blog O SINO DA ALDEIA porque avisar é preciso , Vítor Cintra do blog A Poesia de Vítor Cintra ,Luís do blog Bufagato , Zé do Beco do blog Rua do Beco, Ana do blog Ana Scorpio e Secreta agraciaram-me com este prémio "Thinking blogger" Photo Sharing and Video Hosting at Photobucket uma ideia que nasceu aqui.

É uma honra ter sido nomeada por Mestres Bloguistas deste quilate... Nada mais a propósito...no artigo em que lembro o Dia Mundial do Livro... escolher cinco "Livros Virtuais" que me fazem pensar ... e explicar as razões porque o fazem...
Muitos teria para nomear... as regra dizem que devo escolher cinco…
E os nomeados são:


Da minha “velha” amiga Ana Scorpio o seu blog Let’s Look, um blog dedicado à 7ªArte, com as suas opiniões sobre filmes ... Quer as críticas... quer as suas escolhas fazem-me pensar… é o meu cine-clube virtual...


Do meu amigo Mauro Maia, o seu blog Cognosco, um blog iluminado pela luz do conhecimento informado, onde tudo se ensina ao pormenor de forma interessante… "...um espaço indefinido onde me cresço”… Aí terão temas desde a Matemática à Historia, passando pela Medicina e pela Língua Portuguesa.


Do meu querido Humberto, o seu blog Domínio dos Anjos, um espaço espiritual de paz e meditação que me ajuda a reencontrar...Fala-se de temas da actualidade com a visão dos Anjos sobre os mesmos.


Da querida Menina Mágica, a *Magia*do blog …a magia das palavras e outras coisas… O Mundo Mágico da imaginação criadora... A Poesia com o seu toque mágico... e todas as “outras coisas...” que magistralmente com pós de perlimpimpim ...podem surgir no seu espaço… que se completa no bar onde sou residente Cheers!


Da minha querida Catarina, o blog VILLE DE LUMIÈRE, pela diversidade de temas , pela fluência da escrita, pela sua iluminação, pelo empenho, pela frequência e qualidade dos artigos.

Mas eu não seria A Papoila se não fizesse esta pequena batotice...

Nomeio do outro lado do mar, banhado pelo Índico o meu amigo Carlos Serra e seu blog Diário de um Sociólogo, este blog ajuda a pensar África pela cobertura e qualidade jornalística das notícias do país sempre vivo no meu coração,...Moçambique...

E não posso esquecer o meu querido amigo "Pastor da Serra da Estrela" e o seu blog MIXTU...pela beleza dos textos que escolhe na Língua Mãe dos dois países Ibéricos, "...porque afinal o pensamento é a única coisa do Universo que não se pode negar..."

E os cinco transformaram-se em 7... o número mágico que já me desafiou... neste caso as minhas 7 maravilhas do mundo virtual...(Tenho um bom alibi...)

Cada um deles terá de colocar o selo na orla lateral do blog em local visível e por sua vez nomear cinco blogs que os façam pensar...

BEIJOS!



quarta-feira, abril 18, 2007

Petúnias ao entardecer...

Uma tarde… uma mesa junto a uma janela… uma chávena de café… são suficientes para a deixarem sentada… pensativa…Talvez se recorde de quando era menina… sem pensar duas vezes… trepava aos ramos da velha árvore… que avista no jardim...Talvez o aroma primaveril do vaso de petúnias a devolva ao instante em que o esquecia no vórtice dos primeiros beijos trocados na adolescência... As luzes ténues do crepúsculo… surgem com a intenção de restituir a realidade mundana às suas retinas… O sabor forte do último gole de café funde-se com o céu rubro que antecede a noite…Vermelho ferrugem que ilumina almas… vidas… seres…E antes que caia a noite… há lugar para um momento… Um pequeno instante em que ao contemplar tudo… perde-se no nada…
PARA TI UM BEIJO MEU!
BEIJOS!!!

domingo, abril 15, 2007

Luto...canto... dissimulo...


Luto com a tua paz… tua calma

com teu fogo ardente

que não enfrentas…

para me acariciar.

Luto contra a distância…

que teima afastar

o calor de tua vida…

na minha… entrelaçadas…

Luto com o silêncio

que não ecoa…

na minha a tua alma…

enterrando… talvez … segredos.

Luto com os beijos que selo

quando te tenho em meus lábios;

para saber que continuo a transportar

mais beijos eternos…

Luto com o secreto desejo,

que sustento...

saber que minha alma é tua

enquanto…dissimulo…cantando...

PARA TI UM BEIJO MEU!
BEIJOS!!


quinta-feira, abril 12, 2007

Um beijo soprado do campo...

Hoje sopro-te um beijo...
Um beijo suave… terno…
para acariciar teus lábios…
Que conforte teu dia…
ao sentires sua alegria…
Um beijo húmido…
que te envolva… refresque…
pouse no teu peito…
com todo o meu carinho…
Percorra teu pescoço…
o teu dorso…
de norte a sul…
Um beijo com a vontade
do meu corpo junto ao teu
para que se amem …
Leva-o o vento…
leva-o o meu pensamento…
entrega-to a brisa…
oferece-to a minha alma…
oferece-to este louco coração
por ti apaixonado…

BEIJO MEU SOPRADO!
BEIJOS!



segunda-feira, abril 09, 2007

As mini férias de Páscoa...

Na quinta feira já se dormiu no Luso… A Vila de Luso fica localizada na vertente ocidental da serra do Buçaco, à altitude de 200 m. Supõe-se que, o seu nascimento, data do ano de 1064. O Luso era uma "villa" que pertencia ao abade Noguram. Foi doada ao Mosteiro da Vacariça, tendo este e todos os seus bens, sido posteriormente doados ao bispo de Coimbra. No ano de 1514, a 12 de Setembro, D. Manuel concede-lhe foral. Por meados do século XVIII, um médico que morava perto do Luso, José António de Morais, aproveita a excelência e qualidade das águas aí existentes, uma água puríssima, diurética e desintoxicante para o tratamento de algumas doenças de pele e hoje o Luso, é uma estância termal de grande renome a nível mundial. O INATEL Luso fica na vertente mais luxuriante da serra do Buçaco.
Na sexta feira após o pequeno-almoço, partiu-se até Carregal do Sal e depois do almoço, uma visita aos monumentos megalíticos... Constituem os vestígios mais antigos da presença humana nesta zona e revelam o cuidado com que enterravam os seus mortos... São um conjunto impressionante de antas e dolmens do Período Neolítico que convidam ao conhecimento do passado e a momentos de tranquilidade. A foto é da Orca da Palheira datada de 5500 A.C.


No sábado 7 de Abril, Dia Mundial da Saúde e Dia Mundial dos Moinhos de Vento nada como fazer uma visita a Penacova. O município com o objectivo de reavivar a história dos moinhos de vento e água e dos seus moleiros, fez o aproveitamento na Portela de Oliveira, do espaço molinológico onde se insere o Museu do Moinho Vitorino Nemésio, em homenagem ao escritor açoriano, fundador da Associação Portuguesa dos Amigos dos Moinhos. Em 1980, o moinho de Vitorino Nemésio, montado na foto, foi doado pelos herdeiros à autarquia, que o recuperou. Penacova possui um dos maiores núcleos molinológicos do país… A sua localização geográfica, a altitude, e a existência de zonas ventosas, levou os habitantes a aproveitar a força do vento, construindo – Os Moinhos. Movidos pelo vento (moinhos de vento) ou pela força da água (azenhas, engenhos hídricos que beneficiaram dos rios Mondego e Alva e das muitas ribeiras que correm na região) transformavam os cereais em farinha.


No Domingo de Páscoa na capela dedicada a Santo António do Hotel Lusitano, INATEL recebeu-se o compasso por volta das 11 horas.
SANTO ANTÓNIO DE LISBOA
OUVE, ESCUTA A NOSSA VOZ:
ALMA DE SANTO, ALMA BOA
ROGA A DEUS POR TODOS NÓS!
O POVO DE LUSO MCMLXXXV
Placa de azulejo na parede da capelinha.
Depois de almoço, um apetitoso cabrito, regressamos ao Porto.
No meu texto de hoje deixo-vos algumas das fotos que fiz...
BEIJO MEU PARA TI!
BEIJOS!




terça-feira, abril 03, 2007

FELIZ PÁSCOA!

Cotovia canta-me tuas canções
no nascente azul de voo erguido
ao encontro do sol...recém-nascido...
que na rósea alvorada ao céu levantas
nos frémitos da luz… feliz… incauta!
Dá-me andorinha as tuas asas
finas…cortantes… incansáveis… puras!
E mais livre que no ar o nauta
mais livre… alto e subtil que as almas santas
o ar sulcar… sobrevoar mares… casas…
montanhas… lagos… rios… e planuras...






BEIJO MEU PARA TI!


BEIJOS !!

domingo, abril 01, 2007

Ao Contrário das Ondas, leitura de Abril

"Ao Contrário das Ondas", é um romance com pouco mais de 100 páginas, intimista e ousado, sobre os sentimentos. Procura descer ao fundo da condição humana e aborda o amor, o tempo e a liberdade. Faz o ponto da situação da geração de 60 que viveu a euforia do sonho, da utopia, e hoje vive o desencanto de um tempo que sente não ser exactamente o seu tanto no país, como na esfera política e na esfera da intimidade. Ao amor, segue-se o divórcio e “os casos” que se mantêm mais para contrariar a solidão do que para sentir verdadeiramente a vida. Faz-nos reflectir sobre "o capitalismo neoliberal", e as suas teses que desenvolvem a lógica do êxito e do “rendimento” e põe em questão o futuro das sociedades actuais.
O livro estrutura-se em quatro partes. Cada uma dá voz a uma das quatro personagens principais do quadrado amoroso do romance. Três das personagens são caracterizadas com muito rigor… A quarta surge em esboço e no pensamento das outras três. Segundo o autor, "as privatizações contrariam o sistema socialista e a Democracia", cabendo aos cidadãos "fazer frente ao que parece inexorável, mesmo que para isso tenham de sofrer duras consequências", como sucede a algumas das personagens do livro. "A globalização capitalista parece hoje ser o único caminho, apesar de conduzir à desigualdade e à injustiça, mas é possível fazer-lhe frente” e o sentido do título é precisamente esse: ir contra as ondas. Neste cenário de convulsões políticas, o autor inscreveu as vivências das personagens que, no momento actual, "olham para o passado", e observam "as máscaras usadas ao longo do tempo" e o conflito que continua a instalar-se "entre as suas ambições e os seus ideais". As palavras de Urbano pintam o retrato da nossa gente, do nosso país. Reflecte-se muito neste livro o desejo de remar contra a maré, como o próprio título diz, ir “Ao Contrário das Ondas”, e mergulhar profundamente nos sentimentos. Gostei muito da leitura deste romance pela sua actualidade e revi-me com assombro em algumas das suas páginas. A prosa de Urbano Tavares Rodrigues, um mestre, é elegante, fluente e muito segura. Ao longo de todo o romance sente-se o domínio absoluto da narrativa.

“O Lívio não gosta do quarto dela. Teve disso a prova hoje. Aliás foi um dia para esquecer.
Nunca lhe tinha feito qualquer crítica ao estilo rocaille do mobiliário nem aos tons de rosa da decoração e da cama, da colcha, tudo muito vaporoso, muito doce. E ontem, de repente, tinham feito amor, estava Mafalda a repousar nos braços dele, numa posição cinematográfica, saboreando aquele cansaço ainda voluptuoso, e o Lívio (só decorreram uns instantes), como se nada se tivesse passado e nada sentisse, pergunta-lhe:
- Quem é que te deu a ideia de decorar assim esta alcova… tão mimosa?
Soou-lhe como ele lhe dissesse: “Isto parece um quarto de puta.”
- São gostos, Lívio. Eu gosto, tu não gostas, pronto.
- Não é que não goste, mas prefiro decorações mais sóbrias.
- Achas Kitsch?
- Talvez. O Kitsch também tem o seu encanto. Mas não condiz com a tua personalidade.
- Tens a certeza? Às vezes penso que não me conheces, apesar de tantos anos de convívio.
Estava já quase abespinhada.
Ele mudou de tom.
- Pode ser que tenhas razão.
Resolveu castigá-lo com um silêncio magoado.
O Lívio preferia a primeira casa que ela teve na Graça, que ficava numa rua do género provinciano, lojas pequeninas, retrosarias, ferragens, artigos eléctricos, uma barbearia inverosímil com espelhos dourados, cheios de sujidade, inclusive de moscas (mas achavam-na digna de ser filmada como relíquia) e até vivendas, que eram de vez em quando assaltadas. É certo que tinha vistas cheias de luz sobre a encosta da cidade antiga, de um lado até ao Hospital de S. José e ao vale do Rossio, cintilante na estátua e nas mansardas, e do outro lado as ruínas do Carmo. Muitas noites iam para a varanda e olhavam o reflexo nas janelas, a harmonia pombalina da Baixa.”

In “AO CONTRÁRIO DAS ONDAS”, Urbano Tavares Rodrigues, Publicações D. Quixote, Novembro de 2006, pág 64/65 de 125
Boa leitura!
BEIJOS