quinta-feira, novembro 30, 2006

1 de Dezembro! VIVA PORTUGAL!

Posted by Picasa(Castelo de Évora Monte foto de José Semelha Agosto de 2003)

Hoje publico um texto que um amigo me enviou no ano passado e que não perdeu a actualidade...


Papoila,

01/12/05 14:15:26
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Esta madrugada sonhei fazer parte de um grupo de embuçados que entraram pela noite calada no palácio de S. Bento, liquidaram e jogaram pela janela o Déficit , puseram a ferros a Duqueza da Corrupção, a regente e todo a sua corte (da qual faziam parte inesperados titulares) e estabeleceram o Quartel General da Restauração da Independência Económica Nacional com um vasto programa de reformas que contará com a participação de toda a população.
2005- 1640 = 365
Há 365 anos, provavelmente, na madrugada chuvosa, como esta inesperadamente se pôs, quarenta portugueses, fidalgos (vestidos e ataviados como os três mosqueteiros, ou como as personagens d’ “A Ronda Nocturna” do Rembrandt, o velho flamengo) com risco das suas próprias vidas, entraram à socapa no palácio do governo Castellano, tendo contado decerto com a conivência da guarda, espetaram e defenestraram o pobre Miguel de Vasconcelos, que estava em comunhão de cama e mesa e provavelmente de roupa lavada com a belíssima (seria?) Duquesa de Mântua, a regente que foi logo ali aprisionada.
Após muitas e duras escaramuças, lograram devolver a Portucale a sua problemática e sempre ameaçada independência.
Terá sido mesmo assim? Provavelmente o Mattoso, que eu não fui consultar, terá uma versão mais nuanceada e mais próxima daquilo que poderemos reconstituir da realidade que é sempre mais diversa e complexa que o mito que sobrou para a divulgação histórica.
Coitados dos quarenta fidalgos! Saberiam o que faziam? Ou teriam eles interesses que estavam a ser ameaçados pela dominação castelhana?
Se tivessem sido oportunamente saciados ter-se-iam deixado ficar quietos nos seus palácios? Ou seriam mesmo patriotas?
A verdade é que fizeram aquilo que fizeram e o rumo da história peninsular não voltou a ser o mesmo. Daí que não podemos garantir que teríamos sido mais felizes, se falaríamos castelhano ou galaico-português, se teria havido franquismo ou não, porque imaginar o que “teria sido se… “ não passa de um exercício de mera especulação futurológica.
Como já não sou completamente ingénuo não acredito que tivesse sido apenas o sentimento patriótico da população a empurrar os fidalgos para a frente. A população, ou seja, o dito Povo, é tão potencialmente corrompível como as elites governantes ou as próximas e usufrutuárias do poder. Porém as benesses que o poder pode administrar e distribuir, vão sendo filtradas pelas diferentes camadas da pirâmide social e raramente chegam à base maioritária. Mas não há perigo pois esta é passiva esparsa e desorganizada e além disso era bem domesticada pela Igreja (agora é pela televisão). Nas épocas difíceis, quando as benesses não chegam sequer às camadas intermédias começa a haver o típico mal-estar, pois estas já têm grande capacidade reivindicativa e não se deixam comer por parvas que é o que se passa agora.
No século XVII as camadas intermédias, a pequena, a média e a alta burguesia, já deviam ter alguma expressão. Mas o povo sem eira nem beira era esmagador em termos numéricos. E este vai sempre para onde o mandarem desde que quem o mande tenha reconhecida autoridade de qualquer espécie, seja de ordem terrena ou divina.
E entretanto as benesses de Castela, ocupada no seu expansionismo Católico, na luta contra Protestantismo Anglicano, nomeadamente com o esforço de Guerra contra os “orangistas” da Flandres, deviam estar a ser sugadas pelos seus grandes, e nada sobrava para os nossos…. Estavam pois criadas as condições…e zás! Aí vai disto! Pronto!
Do mesmo modo, também não acredito que na meia ilha que é Timor Leste, fossem apenas os populares a desejar a independência e a concomitante separação da gigantesca Indonésia da qual faziam parte integrante em termos geográficos (bem sei que a administração era portuguesa que sempre foi muito pouco expressiva). Não é estranho que a vocação para independência surgisse quando se descobriu petróleo no mar de Timor? Tal como nos idos do Século XVII, descobríamos o ouro do Brasil…

É tão chata a lucidez. Já não há heroísmo possível, nem ideais credíveis!
E já agora onde é que estavam os militares no 25 de Abril? É melhor nem puxar pela ponta da meada.

2005-1143 = 862
Mas a verdade é que já existimos como nação independente há quase novecentos anos…Será por acaso?
VIVA PORTUGAL!
Um beijo para comemorar a independência.
Jacques
BEIJOS!
VIVA PORTUGAL!





segunda-feira, novembro 27, 2006

Parabéns Janico! Viva 27 de Novembro!


Com as portas da alma abertas,
são maiores os sentimentos
que as ilusões…
Nascem no mar da aventura
de sonhos guardados
em castelos de areia,
à luz do sol que se apaga
no fim da azáfama diária…
Depois… leves raios de luar
filtram-se grão a grão...
Para onde vão
os suspiros da alma?

Partem para a imaginação
que vive de sonhos
completados de realidade...
Revivem ao sabor da maré
e fazem desse
breve castelo de areia

algo tão belo
como uma rosa
que se move
com a suave brisa
da alvorada…

PARABÉNS MINHA FILHA! UM GRANDE BEIJO MEU!

quarta-feira, novembro 22, 2006

Se eu fosse bela...


Se eu fosse bela…
Diria a meu amado:
Olha para mim… Eu sou aquela
estátua de alabastro com seios de cetim
que a tua fantasia criou…moldou…
e te esperou…
Vem! Transforma o mármore
em carne palpitante
tal como Prometeu
glorioso… amante…
Lavra-o de tuas mãos divinas… milagrosas…
Da epiderme pétrea nascerão rosas
de minha seiva entumecidas…
Sexo em botão que abrirei
a teu falo erecto e duro
o Sol do teu amor…
E esperarei comovida
o teu caminho… o nosso…
Ó meu amor… meu Rei!
Abriremos os braços para a Vida!

BEIJO MEU PARA TI (com saudades)...

BEIJOS!

segunda-feira, novembro 20, 2006

Das minhas manias...

Sobre os meus hábitos... ou... das minhas manias...

Desafiada pelo meu amigo Jorge do blog O SINO DA ALDEIA e porque o seu lema é "avisar é preciso"... entrei neste jogo…

AS REGRAS

"Cada bloguista participante tem de enumerar cinco manias suas, hábitos muito pessoais que o diferenciem do comum dos mortais. E além de dar ao público conhecimento dessas particularidades, tem de escolher cinco outros bloguistas para entrarem, igualmente, no jogo, não se esquecendo de deixar nos respectivos blogues aviso do *recrutamento*. Além disso, cada participante deve reproduzir este regulamento no seu blogue."

Vamos lá a cinco manias minhas... A lista é tão vasta que a escolha é o mais difícil…

Estou na "berlinda", porque:

1- Tenho pavor a gafanhotos saltam, e têm a mania de se juntar em pragas...Já saí de um automóvel descapotável aos gritos por causa de um pequeno gafanhoto que me saltou para o regaço entre Castelo Branco e Fundão. Fui assistida por duas senhoras que vendiam cerejas, que devem ter ficado com sérias dúvidas em relação à minha sanidade mental.

2- Tenho pânico de viagens de avião...tomo dois tranquilizantes e durmo até aterrar… (Não há "camisas de força" disponíveis nos aviões em que costumo viajar...) Estou em pânico e mais ou menos intratável nos quinze dias que antecedem a viagem… O medo estende-se aos familiares que viajam…

3- Costumo falar alto pelos corredores do Centro de Saúde ou na rua sozinha...se alguém me pergunta o que se passa, respondo que é pessoal...

4- Passo mais de 20 minutos à procura das chaves do carro para as encontrar sempre onde imaginava que elas estavam guardadas...

5- Gosto de passear junto ao mar para acalmar as manias... e apanhar pedras e conchas onde quer que vá que guardo depois, por toda a casa...


E porque todos somos diferentes... uns, mais que outros... vou participar neste concurso:





As regras determinam que desafie cinco bloggers... e os escolhidos são:

Ana S.

Gatinhos Voadores (Arodla)

Soslayo

Instantes de um Louco

COURA: magazine

BEIJOS!!!






sexta-feira, novembro 17, 2006

Danças um tango?

O amor se enamora
vestido de seda e sonhos
bordados a fio de ouro
com emoção engalanada
de valentia e garbo
entregando o corpo
ao ritmo alucinado
da vida diária...
Investindo inteiro...!
Sem reparar no engano,
e no carácter embravecido
da paixão contida...
Traje de gala, vestido para festa
como os bailarinos
no ir e vir da dança
ao som dum tango
brindando vida e morte…
Abre a porta grande e festeja
as ilusões de desejos conquistados
a corações roubados
na luta por viver
na meta de triunfar.
UM BEIJO MEU PARA TI!
BEIJOS

terça-feira, novembro 14, 2006

Manifesto! (de uma prostituta)


A quem interessa
a saudade de minha alma
se a sombra de meus passos se perdeu
deixando-me abandonada
à ilusão da manhã
e à futilidade de novo dia…
Certa que o céu se cobrirá
de vermelhos matizados
tal qual meus braços
que derramam a seiva
da própria vida.
Qual o papel desta existência
carregada de dolorosas perdas,
alimentada pela mediocridade
ininterrupta de gestos
presos pelo preço
da liberdade insegura
de passos no vazio...
Dispara directo
sem medo do inferno
sem vacilar sequer
no valor da minha vida
massacrada pela ignominia!
Moedas de prata
que trocam minha alma
pela pobreza insensível
do desamor...
Vendo meu corpo e minha alma,
sem remorsos nem regateios,
a quem aceite caminhos desviados
abraços frustrados e beijos esquecidos.
Nem uma lágrima mais
derramarei por vós…
A minha voz se calará
e de meu corpo apagarei as carícias...
Ao entregar minha alma e meu corpo
deixei cair as asas do meu voo de mulher
tornando-me escrava e
amante de paixões reprimidas...

Homenagem a minha mãe que iniciou a sua vida profissional de enfermeira parteira na prestação de cuidados a prostitutas. Tem também a intenção de nos fazer reflectir na polémica discussão sobre a legalização da prostituição.
BEIJOS!

domingo, novembro 12, 2006

Parabéns Mãmã! Viva 12 de Novembro!



Hoje não vou lembrar aquele dia de Maio, tinha eu 10 anos, que te acenei com um lenço em Campanhã enquanto o "rápido" se afastava por entre a névoa dos meus olhos, e te fui deixando de ver… Partias para Moçambique e só voltei a ver-te nas tuas primeiras férias quando fiz 18 anos.
Não vou falar da corrida à caixa do correio para ver se tinha carta tua, nem vou contar do que sentia todas as vezes que abria as fitas dos maços de cartas guardadas na “tua” caixa de papelão para sentir o teu perfume…
Também não vou falar da emoção com que juntas vivemos o 25 de Abril na tua casa do PH-9 no Bairro da Coop agarradas ao rádio para ouvir as notícias de Portugal.
Hoje vou lembrar aquele colóquio com Álvaro Cunhal em Maputo, em Junho de 1975 numa sala repleta de cooperantes, em que nos contava as suas emoções à chegada a Portugal, os feitos heróicos dos camaradas presos, as suas fugas extraordinárias de Peniche e Caxias e a dada altura referiu-se àqueles que permanecendo no anonimato tinham realizado actos não menos heróicos... Escolheu o exemplo do “camarada” que sempre desejou conhecer e que tão corajosamente, porque os riscos de ser reconhecido eram muitos, tinha colocado em todos os jornais do Porto a notícia da sua prisão em 1949. Vivia na clandestinidade e fora preso numa casa clandestina no Luso.
Como explicar a emoção que senti quando ao meu lado te levantaste e disseste com a voz embargada: - Fui eu!
Então enquanto toda a assistência batia palmas com entusiasmo, correram para os braços um do outro num forte e comovido abraço.
Para todos, e a seu pedido, contaste como fora... A Elisa Bacelar tinha levado a notícia à Brasileira pois o Armando que estava preso tinha ouvido a sua voz e reconhecido. Era preciso dar a notícia, mas como? E na mesa do café tu, o meu pai, o Manuel Azevedo e o Lobão Vital delinearam uma estratégia.
- Um anúncio nos jornais! Mas como?
O Manuel Azevedo facilmente o colocava no Primeiro de Janeiro e conhecedor do meio, garantiu que a melhor hora para passar incógnito era precisamente o fim da tarde, e nada melhor que uma jovem recém casada para o fazer… Tu! E lá foste ao Comércio e ao Notícias colocar o anúncio:


Durante muito tempo não voltaste à baixa do Porto com receio de ser reconhecida, pois a PIDE depois de interrogar os funcionários que o receberam, seguiu-os durante um tempo para ver se reconheciam quem colocou a notícia.
Parabéns Mamã pela tua coragem, tantas vezes demonstrada porque a vida não te amaciou a jornada com rosas.

Que felicidade consagrar-te
dar graças pela tua vida

e ternura do teu modo,
pelo teu carinho e amor...
És uma grande amiga
companheira e ajudante.
Sem ti na verdade, não seria...
Apoias-me, amas-me e empurras-me
nesse teu caminho cheio de luz...
Minha vida, minha mãe
meus pobres e tímidos versos
coram ante a tua grandeza!

Parabéns! Um grande beijo meu!

quarta-feira, novembro 08, 2006

Esperar!


Esperar!... Esperar!... Sempre esperar!...
Será que o que espero a sorte mo quer dar?

Esperar pela andorinha
que me traz a Primavera
pedir ao Sol numa infinita espera
que me ilumine e aqueça a alma …
Esperar por alguém
que tarda, que não vem!...
Esperar atingir a meta!... e quando
sonho – sim, também vou sonhando –
esperar que em real o sonho se transforme…
Esperar!... E a vida vai passando…
Esperar!... Esperar!... Que é a vida senão
uma longa Esperança em que a vida se consome…

Quanto mais espero, então mais sinto fome,
mais sinto o frio… a noite… a solidão…

Esperar!... Esperar!... até que um dia enfim,
já nada mais espero do que esperar sem fim!
BEIJO MEU PARA TI!
BEIJOS

domingo, novembro 05, 2006

Sonhos de liberdade...


Adivinho sonhos de liberdade
num amor sem promessas…
Em danças de crescente
uma lua brincalhona vem iluminar
os momentos de paixão entre o mar e o céu…
Abraço-me a teu corpo templo sagrado
do Inverno a anunciar Primavera!
Artesão do amor, tecedor de sonhos
dá-me as tuas mãos e teu fulgor…
Meu corpo se abre ao amor
e desterra de ti todas as gotas de chuva
que teus olhos derramam…
Assina a tua vida numa cadeia de sonhos
que caiem de uma nuvem de algodão…
Navegar num barco de papel
não basta para recordar o ar
quando a lua minguante nos descobre
em carne viva de coração partido
para voltar a nascer outra vez
esta esperança de amor.
AMO-TE! BEIJO MEU PARA TI!
BEIJOS

quarta-feira, novembro 01, 2006

O Outro Pé da Sereia, leitura de Novembro


Viagens diversas cruzam-se neste romance: a de D. Gonçalo da Silveira, a de Mwadia Malunga e a de um casal de afro-americanos. O missionário português persegue o inatingível sonho de um continente convertido, a jovem Mwadia cumpre o impossível regresso à infância e os afro-americanos seguem a miragem do reencontro com um lugar encantado.
Outras personagens atravessam séculos e distâncias… O escravo Nimi, à procura das areias brancas da sua roubada origem. A própria estátua de Nossa Senhora, viajando de Goa para África, transita da religião dos céus para o sagrado das águas.
E toda uma aldeia chamada Vila Longe atravessa os territórios do sonho, para além das fronteiras da geografia e da vida.
Estas diferentes viagens entrecruzam-se no último romance de Mia Couto. Uma narrativa mágica cheia de mistério na sua escrita, verdadeira prosa poética.

António Emílio Leite Couto, de pseudónimo literário Mia Couto, nasceu na Beira a segunda cidade de Moçambique, em 5 de Julho de 1955. O seu irmão mais novo, não conseguia dizer "Emílio" e chamava-lhe Mia. Segundo o próprio autor, a utilização desta alcunha tem a ver com a sua paixão pelos gatos. Desde pequeno dizia a sua família que queria ser um deles.
Iniciou o curso de Medicina ao mesmo tempo que se iniciava no jornalismo e abandonou aquele curso para se dedicar a tempo inteiro à segunda ocupação. Foi director da Agência de Informação de Moçambique, e mais tarde tirou o curso de Biologia.
Como escritor, Mia Couto possui uma obra reconhecida internacionalmente que foi já adaptada ao cinema e ao teatro e está representada em várias antologias, tendo sido também objecto de vários estudos. A sua escrita espelha um maravilhoso universo ficcional, intensamente ligado à cultura e imaginário moçambicanos e aos mitos rurais e urbanos que, sustentados em formas de arte verbal da oralidade popular, fazem deste escritor um contador de histórias único.
O Outro Pé da Sereia, foi apresentado pelo autor em diversos localidades em Portugal no mês de Maio, no Brasil em Junho, onde foi entrevistado por vários órgãos da comunicação social e em Luanda em Julho.


“— Acabei de enterrar uma estrela!
Foi assim que o pastor Zero Madzero se anunciou junto à cama de sua esposa, Mwadia Malunga. Lá fora, espreitavam os primeiros sinais de luz. A mulher, ainda emergindo do sono, sorriu e disse:
Venha, marido, venha que eu lhe apronto um bom banho.
Olhou o homem em contraluz: parecia um fantasma, magro e sujo, carregando mais poeira que o vento do Norte. Um cheiro a queimado se espalhou na ensonada claridade do quarto.
Trouxe os burros?
Ele acenou com a cabeça, como se estivesse bêbado. Quando Mwadia se aprontava para o encaminhar por entre as penumbras, o pastor deu um passo atrás e murmurou:
Não me toque! Não me toque que tenho as mãos em fogo.
Só então a esposa reparou no brilho que emanava das mãos fechadas de Madzero. Lentamente, ele entreabriu os dedos, um por um, como se desfolhasse uma flor. Mwadia Malunga levou o braço ao rosto, incapaz de enfrentar a reverberação. A sua voz esgueirou-se num gemido:
Meu marido, me confesse: você já morreu?
— Não, tudo isto vem da estrela, mulher.
— Mas qual estrela?
— A estrela que enterrei no nosso quintal.
Mwadia espreitou, receosa, pela janela. O amanhecer costumava ser um beijo no vidro de sua casa. Naquela manhã, porém, a luz era mais tensa que intensa. Foi então que ela viu a pá, espetada junto um amontoado de areia. Enterrada na vertical, cumpria o serviço de cruz em campa rasa.
Saiu para o pátio, o marido seguindo-a em passos sonâmbulos. Em redor do tambor de água, ela juntou umas tantas latas enquanto o homem se ia despindo. Tinha sido sempre assim: o pastor recusava banhar-se sozinho. Um homem fica menos macho se passeia as mãos pelo seu próprio corpo. Era essa a crença de Zero Madzero. A esposa fazia de conta que acreditava.
Desta vez, como sempre acontecia, manchas de sangue iriam sujar a água que restava do banho. Ela nunca lhe perguntou porquê. A um homem não se perguntam certas coisas. Também ela, quando saltava a lua e lhe vinham os sangues, gostava de ser guardada em silêncio. Uma esteira diferente à entrada da porta: era o que bastava para Zero saber que esses eram dias interditos.”

In “O Outro Pé da Sereia”, Mia Couto; Editorial Caminho, SA Lisboa 2006 (pag 17/18 de 382)
BEIJOS A TODOS! E UM ESPECIAL PARA TI! BOA LEITURA!