Hoje não vou lembrar aquele dia de Maio, tinha eu 10 anos, que te acenei com um lenço em Campanhã enquanto o "rápido" se afastava por entre a névoa dos meus olhos, e te fui deixando de ver… Partias para Moçambique e só voltei a ver-te nas tuas primeiras férias quando fiz 18 anos.
Não vou falar da corrida à caixa do correio para ver se tinha carta tua, nem vou contar do que sentia todas as vezes que abria as fitas dos maços de cartas guardadas na “tua” caixa de papelão para sentir o teu perfume…
Também não vou falar da emoção com que juntas vivemos o 25 de Abril na tua casa do PH-9 no Bairro da Coop agarradas ao rádio para ouvir as notícias de Portugal.
Hoje vou lembrar aquele colóquio com Álvaro Cunhal em Maputo, em Junho de 1975 numa sala repleta de cooperantes, em que nos contava as suas emoções à chegada a Portugal, os feitos heróicos dos camaradas presos, as suas fugas extraordinárias de Peniche e Caxias e a dada altura referiu-se àqueles que permanecendo no anonimato tinham realizado actos não menos heróicos... Escolheu o exemplo do “camarada” que sempre desejou conhecer e que tão corajosamente, porque os riscos de ser reconhecido eram muitos, tinha colocado em todos os jornais do Porto a notícia da sua prisão em 1949. Vivia na clandestinidade e fora preso numa casa clandestina no Luso.
Como explicar a emoção que senti quando ao meu lado te levantaste e disseste com a voz embargada: - Fui eu!
Então enquanto toda a assistência batia palmas com entusiasmo, correram para os braços um do outro num forte e comovido abraço.
Para todos, e a seu pedido, contaste como fora... A Elisa Bacelar tinha levado a notícia à Brasileira pois o Armando que estava preso tinha ouvido a sua voz e reconhecido. Era preciso dar a notícia, mas como? E na mesa do café tu, o meu pai, o Manuel Azevedo e o Lobão Vital delinearam uma estratégia.
- Um anúncio nos jornais! Mas como?
O Manuel Azevedo facilmente o colocava no Primeiro de Janeiro e conhecedor do meio, garantiu que a melhor hora para passar incógnito era precisamente o fim da tarde, e nada melhor que uma jovem recém casada para o fazer… Tu! E lá foste ao Comércio e ao Notícias colocar o anúncio:
Durante muito tempo não voltaste à baixa do Porto com receio de ser reconhecida, pois a PIDE depois de interrogar os funcionários que o receberam, seguiu-os durante um tempo para ver se reconheciam quem colocou a notícia.
Parabéns Mamã pela tua coragem, tantas vezes demonstrada porque a vida não te amaciou a jornada com rosas.
Que felicidade consagrar-te
dar graças pela tua vida
e ternura do teu modo,
pelo teu carinho e amor...
És uma grande amiga
companheira e ajudante.
Sem ti na verdade, não seria...
Apoias-me, amas-me e empurras-me
nesse teu caminho cheio de luz...
Minha vida, minha mãe
meus pobres e tímidos versos
coram ante a tua grandeza!
Parabéns! Um grande beijo meu!
Sem comentários:
Enviar um comentário