segunda-feira, setembro 18, 2006

O papel do médico de família...



Na tentativa de explicar a importância do que significa 1 milhão de portugueses não estarem inscritos em lista de médico de família, pretendo neste texto delinear brevemente o seu papel no sistema de saúde.
Há um conjunto de princípios que não sendo exclusivos da medicina familiar, representam uma visão global, um sistema e uma abordagem de valores que a tornam diferente das outras especialidades médicas.
O médico de família compromete-se com a pessoa, e não com um conjunto de conhecimentos, técnicas especiais ou grupo de doenças. Este compromisso tem duas vertentes, o médico está disponível para qualquer problema de saúde em qualquer pessoa de qualquer idade ou sexo, sem se limitar a um problema de saúde definido… O doente define o problema… O compromisso não tem prazo, não termina com a cura da doença, o fim do tratamento ou a incurabilidade da doença. O compromisso é assumido quando a pessoa se inscreve na sua lista e está saudável, antes de surgir qualquer problema de saúde.
Depois de exercer durante alguns anos, o médico de família interessa-se pelos seus doentes de um modo que transcende a doença de que eles possam sofrer. Esta relação duradoura no tempo torna a relação médico doente particularmente importante na medicina familiar. Doenças com pouco interesse em si como "doenças", tornam-se interessantes porque ocorrem numa pessoa conhecida.
Procura entender o contexto da doença… Muitas das doenças observadas em medicina geral e familiar não podem ser entendidas se não forem vistas no seu contexto pessoal, familiar e social. A importância do contexto pode ser comparada à peça do puzzle que só tem significado quando encaixada no seu lugar próprio… Quando o doente é internado num hospital grande parte do contexto da doença perde-se ou desaparece… A atenção de quem o cuida está focada principalmente no que acontece e menos nas circunstâncias em que aconteceu… A consequência muitas vezes, é uma visão limitada da doença.
Encara todo o contacto com os seus doentes como uma oportunidade para a educação para a saúde, e prevenção.
Os seus doentes são vistos como população em risco. Os clínicos pensam mais em termos de indivíduos doentes do que grupos populacionais. Os médicos de família têm de pensar em ambos, o que significa que um doente que não tenha sido vacinado ou que não tenha controlado a sua pressão arterial preocupa-o, tal como um doente que venha à sua consulta de vigilância de saúde infantil ou para tratamento da hipertensão. Isto significa um empenho em manter os seus doentes o mais saudáveis possível e conscientes da sua doença, quer venham ou não, à consulta.
Este médico deve ser, e considera-se a base de uma rede comunitária de centros de apoio e prestação de cuidados de saúde. Todas as comunidades têm uma estrutura de apoios sociais estatais e não estatais, formais e informais… A palavra estrutura sugere um sistema coordenado, mas infelizmente não é esse o caso, muito frequentemente os profissionais dos serviços de cuidados de saúde e sociais, incluindo os médicos, trabalham em compartimentos estanques sem qualquer noção do sistema na sua totalidade. Quando os médicos de família conhecem e conseguem gerir todos os recursos da comunidade em benefício dos seus doentes, podem ser muito eficazes.
Idealmente, deveria habitar na mesma comunidade dos seus doentes, mas também o médico que viaja diariamente para o seu local de trabalho acaba por marcar a sua presença… Actualmente separa-se a vida privada do trabalho, e isto é causa de muitas das queixas modernas para Wendell Berry “Se não vivemos quando e onde trabalhamos, estamos a desperdiçar as nossas vidas e o nosso trabalho”(1978). Para serem eficazes os médicos de família têm de conhecer a comunidade em que exercem e constituir uma presença visível na mesma, quer lá residam ou não.
Este médico vê os seus doentes no consultório, nos seus domicílios e no hospital, distribuindo o tempo e os locais conforme o tipo de doentes. Em Portugal não estão criadas ainda ligações estreitas entre o ambulatório e os cuidados hospitalares.
Os aspectos subjectivos da medicina são importantes para o médico de família. No século XX a medicina foi dominada por uma visão objectiva e positivista dos problemas de saúde. Para os médicos de família isto tem sempre de ser conciliado com uma sensibilidade aos sentimentos e percepção das relações. Acabam por compreender que os seus próprios valores, atitudes e sentimentos, são determinantes importantes no modo como exercem medicina.
O médico de família é um gestor de recursos... Como generalista e o médico do primeiro contacto tem controlo sobre enormes recursos e pode, dentro de certos limites controlar o internamento hospitalar, o uso de exames complementares, de terapêuticas e o envio a especialistas.
Em todo o mundo os recursos são limitados… nalguns casos, severamente limitados… É responsabilidade do médico de família gerir estes recursos para o máximo benefício dos seus doentes.

BEIJOS A TODOS...



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