Sentada no avião que partiu de Lisboa às 24 e 20 do dia 14 de Dezembro Maria acariciou a filha, sorriu-lhe e abraçou-a enquanto lhe apertava o cinto. Tinham a viagem planeada para a semana de Natal mas aquelas eleições de Outubro de 1973 e as sucessivas prisões de amigos próximos anteciparam-na... Fora só o tempo de preparar algumas roupas de Verão, arrumar a casa e tratar da transferência para a Universidade de Lourenço Marques que nem sequer sabia se lhe fora concedida… Decidiu fazê-lo porque não podia correr o risco de uma possível prisão por actividades como opositora ao regime, e contava com a ajuda de sua mãe que lá residia. Nada mais desejava que cair nos braços do marido que não via desde que fora mobilizado para Angola em Maio… mas a sua vida iria mudar radicalmente e só agora descobrira os laços que a ligavam ao Porto… Na sua última carta antes da partida dizia-lhe:
“… penso não ter esquecido nada, fiz os possíveis por isso! Mas se como é “habitual” eu me tiver esquecido, não me ralhes! Estou preocupada com receio que a viagem seja cancelada, com medo da viagem em si, com medo de ter saudades do que deixo, enfim preciso de um marido meigo, muito terno, muito amigo quando aí chegar. Faltam só 4 dias para te abraçar! Quero-te!”
A menina perguntou: - Vamos no “vião” ver o”catel” onde o papá está peso?
-Vamos minha querida, mas tens de dormir…Encosta – te à mamã…
Quando a porta se abriu e chegou às escadas Maria teve a sensação de entrar numa panela de pressão e rapidamente despiu o casaco que em Portugal lhe parecia fresco… Inclinou-se para a sua menina para lhe desapertar a camisa e nessa altura a criança muito pálida inclinou-se e vomitou enquanto exclamava: - Está tanto calor mamã!
Ajudada pelo comissário de bordo limpou-lhe a carinha e refrescou-a. Na varanda do aeroporto o seu marido acenava e Maria e sua filha emocionadas acenavam também… Já pouco tardava para se abraçarem e beijarem. Depois de recolhida a bagagem, na sala de espera caíram nos braços um do outro em lágrimas enquanto Maria repetia
-Que saudades! Estás tão magro meu querido!
Esperava-as num cabriolet alugado e durante a viagem até ao Hotel Central na Praça do Pelourinho, Maria não se cansava de repetir que necessitava de um bom banho para poder maravilhar-se com a cidade que já a encantava.
“-Este perfume! Que árvore é aquela? Tantas flores! Olha a baía! Olha o mar que azul!”
Depois do banho e de trocarem de roupa entre abraços e beijos saíram para conhecer Luanda numa primeira volta a pé, era necessário ir ao banco trocar algum do dinheiro que Maria levava…
-Estranho!? Mas aqui não circula o escudo? Tu não estás mobilizado como Alferes Miliciano Médico ao serviço de Portugal?
- Minha querida a moeda aqui é outra e em Moçambique outra ainda, embora sejam escudos… e não faças perguntas Maria… contem-te por favor… sabes que fui mobilizado pelas tuas actividades na Associação Académica… Maria é um favor que te peço, contem-te!
Maria sorriu e beijou-o enquanto exclamava:
-Vou fazer os possíveis mas tu sabes que às vezes me é muito difícil passar indiferente ao que não compreendo… Mas prometo ter cuidado com o que digo… Toma lá um beijo…
Enquanto percorriam a baixa de Luanda Maria não parava de admirar o colorido das roupas das mulheres, o sorriso aberto e franco das mesmas a doçura dos rostinhos dos bebés que transportavam nas costas e embora ele estivesse com alguma pressa fez parar o marido um sem número de vezes… Numa delas uma velha e sorridente vendedora preta vendia um colorido fruto em tons de vermelho com um aroma intenso e doce que transportava num alguidar de lata… Num português arrevesado perguntou-lhe:
-Senhora queres comprar? É doce e não tem fios…
Maria não conhecia o fruto mas o seu aroma era tentador e não resistiu a pedir a seu marido para parar, que lhe respondeu:
-É manga, não presta… tem muitos fios e não vais gostar…
Foi irresistível a gargalhada que a velha e simpática vendedora deu nesse momento enquanto dizia.
“- Xi patrão sinhora não sabe o que é manga? Dá esta a ela para provar que sou eu que dou!”
Maria pegou no fruto comovida enquanto a velha vendedora lhe estendeu outro fruto enquanto dizia:
“-Esta é para a minina, sinhora… não paga não precisa pagar sinhora sou eu que dou… sinhora e minina primeira vez que prova manga!” Seus olhos encheram-se de lágrimas quando a velha vendedora recusou receber dinheiro pela sua oferta enquanto dizia…
“-Não paga sinhora Julieta fica ofendida se sinhora quer pagar! É oferta de Julieta!”
Naquele momento Maria sabia que o seu elo com aquele continente que pisava pela primeira vez tinha raízes profundas que a enchiam de emoções difíceis de explicar e transmitir. Foi com prazer que limpou a manga ao seu lenço de mão e que apesar das recomendações do marido pelo risco de diarreias chupou pela rua o saboroso fruto que a velha Julieta lhe oferecera. A menina também provava com prazer…
-Tu não gostas meu querido?
-Não! É demasiada perfumada e almiscarada… e tem muitos fios. Temos de despachar-nos que amanhã o avião para o Toto é de manhã e ainda quero mostrar-te Luanda!
…(continua)
segunda-feira, dezembro 11, 2006
Um Natal em Angola...
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