Em 1512 o rei Fernando o Católico, ordena ao Duque de Alba a conquista e anexação do reino de Navarra. Os filhos mais velhos de D. João de Jasso partem do feudo familiar para combater pela causa da dinastia destronada. O mais novo, Francisco de Jasso, permanecerá no castelo e vai ser testemunha de tristes acontecimentos como o ataque a Sangüesa e as sevícias às famílias que se mantêm leais ao seu rei. Mais tarde, e por vontade de sua mãe, parte para Universidade de Paris onde é um entre os muitos estudantes do colégio de Santa Bárbara. Vive a vida de estudante universitário entre o estudo de Filosofia e Lógica, as tabernas, a amizade, as mulheres e assiste a autos de fé. Torna-se muito popular pelo seu carisma e qualidades de desportista na corrida e salto em altura. Decidirá aventurar-se numa viagem apaixonante pelo Oriente desde a Índia, passando pelo Japão e a China, guiado por um misterioso ímpeto místico e uma energia transbordante. No romance EM COMPANHIA DO SOL, Jesus Sánchez Adalid descreve com grande fidelidade a fascinante personalidade do protagonista. Tudo isso se mistura com uma delirante realidade tangível, terrena e ao mesmo tempo espiritual, que nos ilustra sobre uma das passagens mais emocionantes da nossa história, pois Francisco Xavier parte para a Índia no reinado de D. João III como núncio apostólico do papa Paulo III.
A leitura deste romance constituiu para mim uma agradável surpresa pois mais que um simples romance histórico - biográfico , é uma verdadeira viagem pelo mundo espiritual e místico da figura de S. Francisco Xavier.
“Os meus romances são uma forma de evangelização”, diz Adalid. Este escritor da Extremedura começou por ser advogado e juiz, mas aos 25 anos entrou no seminário e actualmente é a pároco de Alage, que pertence à diocese de Mérida-Badajoz. Tem vários romances publicados com grande sucesso La luz del Oriente, El Mozárabe, Félix de Lusitânia, La Tierra sin Mal, El cautivo e La sublime puerta.
“Francisco teve de aguardar algum tempo na antessala que precedia os aposentos privados do bispo. Ali nada denotava luxo, nem estava disposto para impressionar os homens, ao contrário do que era frequente encontrar nas moradas de outros dignatários eclesiásticos. O casarão do bispo de Goa tinha tectos altos e grandes janelas. Mas o mobiliário era austero e as paredes estavam decoradas com escassos quadros, em geral pouco valiosos.
Aguardava sentado num forte banco, em frente do qual havia um amplo portão de batente duplo. Pensou que seria a entrada para o escritório. Mas, de repente, abriu-se uma pequena porta a seu lado e apareceu o secretário levando pelo braço o prelado.
Francisco pôs-se de pé. O bispo de Goa era um ancião de barbas longas, completamente grisalhas, que caminhava com dificuldade apoiando-se numa bengala. Vestia o tosco hábito dos frades chamados “capuchos” e só se conhecia a sua dignidade episcopal por usar o barrete cardinalício roxo, o peitoril de prata e o anel. Olhou para Francisco com um olhar confuso e perguntou:
- Sois na verdade o núncio do Santo Papa de Roma?
- Para servir a Deus e a vós, mui ilustre senhor bispo de Goa – respondeu Francisco, ajoelhando-se.
O bispo ancião sobressaltou-se e, com grande dificuldade, ajoelhou-se diante dele enquanto exclamava:
- Eu é que vos servirei reverendíssimo senhor! Eis aqui o pobre frade franciscano João de Albuquerque, indigno servo da Santa Igreja de Nosso senhor Jesus Cristo!
Ambos tentaram beijar a mão um do outro. Esforçaram-se durante alguns momentos. O bispo quase caiu de bruços. De repente, olharam-se fixamente nos olhos. Aperceberam-se do ridículo da situação e do olhar espantado do secretário.
- Santíssimo Deus, que tontaria é esta! – suspirou o prelado ancião irrompendo num ataque de riso.
Francisco ajudou-o a levantar-se.
- Não sabia que vossa reverência era um padre capucho, senhor bispo – disse.
- Ah, nem eu esperava que o núncio papal aparecesse com uma tão pobre indumentária.
Riram-se de novo. Desde esse momento abandonaram as reverências e o protocolo; deixaram de lado os tratamentos e começaram a falar amigavelmente, como se se conhecessem e fossem amigos de longa data.”
In EM COMPANHIA DO SOL, Jesus Sánchez Adalid, tradução de Luís Cunha Pinheiro, Publicações D. Quixote, 1ª Edição, Novembro de 2006, páginas 271/272 de 342.
BEIJOS!