Naquela noite quente Maria ao receber o serviço olhou a sala de reanimação de longas paredes brancas e nuas que estava em silêncio. Nas duas filas de berços estreitos, iguais e austeros as crianças estavam prostradas. Ouviu ao longe a voz do colega que lhe passava o serviço: “Esta menina não passa desta noite... a febre não cede, está agónica!Tens de mentalizar-te!”.
Maria, olhou-o e sentiu uma leve vertigem que a fez prender-se ao berço mais próximo, enquanto olhava de olhos nublados para Mimi. Mimi, não era um doente com um número de cama… Mimi, era uma linda menina sobrinha da enfermeira Fátima que ela tinha internado na ante- véspera com uma infecção respiratória, depois de ter tido sarampo. Linda, bem nutrida, de olhos fundos como o mar.
“Victor, não pode ser esta noite! Não pode ser comigo!”
“Não te iludas Maria! Já fizemos tudo o que é possível. A febre não cede, está cada vez mais prostrada como podes ver! Não há antibiótico que actue, e o Professor já sugeriu a sua suspensão pois como sabes o nosso stock está a esgotar-se. Temos já muito poucos…”
“Isso nunca! Não serei eu a suspender a medicação!”, retorquiu Maria.
“Faria o mesmo! Boa noite e apoia a Fátima que deve estar a chegar!”, respondeu-lhe Victor.
Acendeu a luz de vigília, luz velada que espalhava uma claridade suave naquela sala toda branca que tornava o ambiente pesado e quente apesar do ar condicionado, um pouco mais fresco. Uma luz confortável sobre as crianças doentes prostradas nos bercinhos. Não seria nada fácil a noite, passeava de uma ponta a outra da enfermaria sem pensamentos definidos, com o desejo que a manhã chegasse rápido sabendo que ainda estava longe. Mimi continuava a lutar pela sobrevivência quando Fátima chegou a seu lado e perguntou.
“Como está ela doutora, como está minha sobrinha?”
“Não está melhor Fátima... O antibiótico não está a fazer efeito...”
A sua voz sussurrada ouvia-se no silêncio. Naquele berço Mimi só com uma fralda respirava cada vez com mais dificuldade, enquanto gemia levemente. Maria dirigiu-se para a secretária com os olhos marejados de lágrimas e sentou-se na primeira cadeira que encontrou enquanto Fátima debruçada sobre o berço abraçava a menina. Não quis estar presente naquela hora de despedida da tia a sua sobrinha. O silêncio foi rompido pelos gritos lancinantes de Fátima enquanto batia com as duas mãos cerradas sobre o peito de Mimi:
“Não podes morrer! Não podes morrer! Não podes morrer!”
Maria, aproximou-se e enquanto passava o braço sobre Fátima, para lhe dar algum conforto, Mimi tossiu e saiu por entre os lábios um liquido purulento. Maria afastou Fátima e rapidamente sentou a menina enquanto ordenava para a enfermeira de serviço:
“Aspirador! Depressa!” e começou a aspirar as secreções que Mimi expelia. Aspirou cerca de meio litro de pus enquanto Fátima a olhava…Todo o seu receio, toda a sua inexperiência em tal situação como tantas vezes sucede, transformou-se naquela voz de comando, e a pouco e pouco ficou cada vez mais calma e segura porque Mimi começava a respirar com mais facilidade… Como num desabafo Maria murmurou :
“Fátima com a sua fúria e desespero, com a sua revolta, salvou a Mimi!”
Entre soluços Fátima repetia
“Mas que fiz eu? Mas que fiz eu?”
”A Mimi tinha um abcesso pulmonar que impedia o antibiótico de actuar. Penso que as pancadas que lhe deu no peito o fez abrir para o brônquio mas vamos pedir uma radiografia para ver, mas só de manhã… e se for como penso, a Mimi vai melhorar”
As duas mulheres abraçaram-se e choraram nos braços uma da outra, beijaram-se e Maria via em Fátima um rosto grave e uns olhos vagos de quem não comprendia bem o que se passara. Sentaram-se de cada lado do berço de mãos dadas até Mimi começar a respirar normalmente. Pela manhã, Mimi já não tinha febre e sentada na cama brincava com um boneco não se sabe vindo de onde.
Quando o Professor na manhã seguinte passava a visita com Maria perguntou com ar austero:
“Porque é que esta criança está aqui internada na reanimação? Porque não foi para a enfermaria?”
Com um sorriso Maria respondeu-lhe...
“É a Mimi, a sobrinha da Enfª Fátima , senhor professor, esta noite melhorou muito depois de lhe ter aspirado 500ml de pus, e não tive ainda oportunidade de a enviar para a enfermaria…”
A Mimi está bem. Cresceu, estudou e é professora na bela cidade de Maputo. Casou e tem dois filhos.
BEIJO MEU PARA TI!
BEIJOS!!!