segunda-feira, maio 29, 2006

A caminho do mar...

Pelas margens da montanha,
descemos
como um rio...
até ao vale.

A cada passo que damos, ouve-se mais forte
o som das árvores
e dos pássaros,
e o silêncio vem buscar-me...
Para onde?

Deixas teus passos suspensos
de ti,
a cada passo que dás...
para mim.
É decisão de peito aberto,
desafio,
ausência...
sem receio de perder!

Então, escorremos levemente
pelos caminhos
que criamos à passagem,
e pousamo-nos mais tarde,
junto ao mar...

BEIJO ENORME!

quinta-feira, maio 25, 2006

Empatia...


A realidade é um conceito mais ou menos vago, mais ou menos útil, mas como quase todos sabemos, não existe… O que para mim é real, é um processo que eu própria construo, mesmo quando uso todos os meus sentidos e emoções... é, cerebralmente, muito pessoal...
Quando a nossa realidade se consegue partilhar, nesses únicos e ímpares momentos, falamos de comunicação...
Para se comunicar, é necessário que cada um se aperceba de todas as pistas… todos os silêncios… que lhe indiquem os sentimentos e emoções do outro!
Criadas as condições para que tal aconteça, estabelece-se uma relação tanto mais verdadeira quanto se for capaz de aperceber da comunicação não verbal de cada encontro...
Por sua vez, a capacidade de partilhar emoções sem palavras, a certeza da compreensão mútua sem ter de falar nela, não pode deixar de nos emocionar…
BEIJO GRANDE MEU

segunda-feira, maio 22, 2006

Momento de paz...


Paro neste momento
vazio de expressão
e comigo, para o tempo
solidário das minhas mãos.
É uma pausa na sombra
uma pausa no tempo,
na rotina de cada dia...
Paramos
de quando em quando
para lembrarmos
quem somos...
Paremos em cada dia
e voltemos
os nossos olhos
para os olhos dos outros…
Não é preciso motivo,
basta parar,
para acordarmos
desta apatia
que no fundo,
não é nossa!
Saber que é possível
transformar a luz em nuvem,
que a Terra gira em torno do Sol,
e olhar…
Olhar sempre até sentir
que o tempo
ficou momento em nós.
É absolutamente preciso
ficar frente a tudo isto
quando arde o fogo
e a combustão,
no silêncio
da paz do coração,
onde moram
palavras por dizer.
BEIJO MEU

sexta-feira, maio 19, 2006

O fogo e a água


Em cada célula, desespero tua ausência...Ai, este fogo que me nasce no ventre, neste meu ventre que te aguarda em delírio, e te quer com paixão...
Como te desejo!
Consciente que estou da eternidade do momento efémero em que me diluo no prazer de te ter dentro de mim...
Lá no fundo nasce a chama, a chama de lava deste vulcão que explode dentro de mim...
Sentir teu corpo junto ao meu, teu perfume, teu sabor, e cada uma das células da minha epiderme a tremer quando me tocas...
Sinto e vejo teu falo altivo que me mata lentamente quando me penetras, para juntos renascermos, bordados a luz doirada.
BEIJO LONGO

terça-feira, maio 16, 2006

O Sol mais íntimo...


Se eu me pudesse ir diluindo
em muitas páginas
de um mesmo poema...
Se os teus gestos incertos
lhes despissem as palavras...

Mas como o som
que cresce em nós…
Como os silêncios
que juntos respiramos,
assim são fortes as raízes...

Ai, se as soubesse arrancar,
e tomar a iniciativa do Sol!
Mas há sempre esta distância
que transborda e se entorna,
e vai sepultar raízes
nem eu sei onde!

Lateja-me no peito
esta vontade…
Ai, esta vontade,
esta qualquer coisa,
que não cabe no peito,
de ter de dizer
- Amo-te! -

Porque de mim desterrei
rendas velhas,
névoas e bolores,
eu te digo,
eu te peço...
Vem comigo,
tornar o Sol mais íntimo...
BEIJO GRANDE

sábado, maio 13, 2006

Ao meu cavaleiro errante...


Sempre me sentei nas alçadas das janelas dos castelos a olhar o horizonte, à espera de ver chegar o meu Cavaleiro Errante... Traz uma capa de burel, com as suas armas sobre o peito por mim bordadas a seda ouro, de folhas entrelaçadas com uma rosa vermelho sangue. Sou aia, fujo aos “favores" do rei… e porque partilho receitas de chás, e mézinhas com o irmão Telmo do convento beneditino, tal como a donzela de Orleães, ( pois quem ouvia vozes ou tratava dos mal alheios e fugia do rei, decerto que tinha pacto com a “Dama de Pés de Cabra”) o remédio foi a fogueira...


Liberto das velhas fanfarras
de heroísmo,
que assaltam
o coração e a razão
- longe dos antigos assassinos -

Estandarte de carne
sangrando
sobre as sedas dos mares,
e das sonhadas flores das neves...

Longe
das antigas retiradas,
e dos velhos incêndios
que ainda sentimos,
ainda ouvimos...

Ó Amor, ó Mundo, ó Música!

Formas, suores,
cabelos e olhos,
e lágrimas brancas...
e suores agrestes...

- ó Doçuras! -

Nossos gritos comuns,
chegados ao fundo
de vulcões
e a todas
as grutas!

BEIJO MEU e alguma saudade...

terça-feira, maio 09, 2006

As Janelas do olhar...


Escrevo para ordenar
meus/teus
gestos imprecisos.
Onde a majestade das palavras?
Nada mais delicado
que o tecido do olhar...
E caio tão dentro
da tua substância
submersa!

O olhar,
é sempre um nascimento,
e como um navio,
equilibra
a substância das coisas...
A libertação
será revelada
na chave do enigma!

Janelas magníficas por onde
a inteligência se enamora,
e se espera calado
o momento de ouvir.

Talvez o poema tome forma,
entre a ausência
e a presença,
na profundidade nómada
da península do silêncio,
numa grande ignorância
pensativa,
que descobre
num relâmpago,
o lúcido,
puro
e imortal
desejo!

BEIJO MEU

sábado, maio 06, 2006

Torrente de palavras...


Todo o abismo é
um côncavo verde,
de perfumes,
de sabores
de águas vivas…
E esta secura breve
que me crispa os lábios,
esta súbita revolta
no meu sangue…

As mãos,
demoradamente abertas,
cheias
de pequenas coisas
simples,
por dentro,
enlouquecidas...

Um ovo de gestos...
De coração aceso,
recomeço a cada instante,
a unir-me,
no mais fundo…

Mas para além
do espaço desta voz,
falarei de ti
quase em silêncio...
Para que se oiçam
as palavras,
em que em mim,
tu, estás gravado...
BEIJO MEU PARA TI...

terça-feira, maio 02, 2006

"Mar me Quer" e Mia Couto a dica de Maio para ler...

...

Só bem depois de me retirar das pescarias é que dei por mim a encostar desejos na vizinha. Comecei por cartas, mensagens à distância. À custa de minhas insistências namoradeiras, Luarmina já aprendera as mil defesas. Ela sempre me desfazia os favores, negando-se.
- Me deixa sossegada, Zeca. Não vê eu já não desengomo lençol?
- Que ideia D. vizinha?! Quem lhe disse que eu tinha essa intenção?
Todavia ela tem razão. Minhas visitas são para lhe caçar um descuido na existência, beliscar-lhe uma ternura. Só sonho sempre o mesmo: me embrulhar com ela, arrastado por essa grande onda que nos faz inexistir. Ela resiste, mas eu volto sempre ao lugar dela.
- Dona Luarmina, o que é isso? Parece ficou mesmo freira. Um dia quando o amor lhe chegar, você nem o vai reconhecer…
- Deixe-me, Zeca. Eu sou velha, só preciso é um ombro.
Confirmando esse atestado de inutensílio, ela esfrega os joelhos como se fossem eles os culpados do seu cansaço. As pernas dela, da maneira como incham, dificultam as vias do sangue. Lhe icebergam os pés, a gente toca e são blocos de gelo. E ela sempre se queixa. Um dia, aproveitei para me oferecer:
- Quer que lhe aqueça os pés?
Arrepiando expectativa, ela aceitou. Até eu fiquei assim, meio desfisgado, o coração atropelando o peito.
- Me aquece, Zeca?
- Sim, aqueço mas… pela parte de dentro.
Tentava um deslize na defesa dela. Mas levei tampa. Eu estava como essoutro que vai lavar a mão e sujou o sabão, ou aquele que queria acertar a unha e cortou o dedo. Com esta minha idade eu já devia conhecer os devido procedimentos, as delicadas tácticas de abordagem. Mas não. Meu falecido avô sempre dizia:
- Em novos só nos ensinam o que não serve. Em velhos só aprendemos o que não presta.
Mas é pena eu e a vizinha não nos simetricarmos. Porque ambos somos semiviúvos: nunca tivemos companheiro, mas esse parceiro, mesmo assim, desapareceu. Sou mais novo que ela, mas estamos ambos na encosta de lá em que a vida só mexe quando é a descer.
Hoje sei como se mede a verdadeira idade: vamos ficando velhos quando não fazemos novos amigos. Estamos morrendo a partir do momento em que não mais nos apaixonamos.
...
In “Mar me quer” Mia Couto com Ilustrações de João Nasi Pereira, Editorial Caminho, SA, Lisboa 2000.

António Emílio Leite Couto, de pseudónimo literário Mia Couto, nasceu na Beira a segunda cidade de Moçambique, a 5 de Julho de 1955. O seu irmão mais novo, não conseguia dizer "Emílio" e chamava - lhe Mia . Iniciou o curso de Medicina ao mesmo tempo que se iniciava no jornalismo e abandonou aquele curso para se dedicar a tempo inteiro à segunda ocupação. Foi director da Agência de Informação de Moçambique, e mais tarde tirou o curso de Biologia.
Enquanto escritor, Mia Couto possui uma obra reconhecida internacionalmente, traduzida em várias linguas e já adaptada ao cinema e ao teatro. Está representada em várias antologias, e já foi objecto de vários estudos. A sua escrita espelha um maravilhoso universo ficcional, intensamente ligado à cultura e imaginário moçambicanos e seus mitos rurais e urbanos que, sustentados em formas de arte verbal da oralidade popular, fazem deste escritor um contador de histórias único. Este conto foi lançado em 1998, no Pavilhão de Moçambique na EXPO. Pode ler mais sobre este autor aqui

BEIJOS