Irene Lisboa (15 de Dezembro 1892 - Novembro de 1958), natural de Arruda dos Vinhos, formou-se na Escola Normal de Lisboa. Na Bélgica, em França e na Suiça (Genebra onde contacta com Jean Piaget) fez estudos de especialização e torna-se professora do Ensino Infantil na capital, onde viveu e morreu. O seu trabalho é reconhecido, e as suas classes são visitadas por estudantes e professores da Escola Normal, e tornam-se centros de estágio. Como orientadora e inspectora desse grau de ensino, faz parte de um sector dedicado ao apoio pedagógico de professores em exercício. O seu programa é de tal modo arrojado e inovador que é afastada e colocada no Instituto de Alta Cultura até ser convidada a aceitar um lugar na Escola do Magistério Primário em Braga ou a aposentar-se. Opta por esta solução, e renuncia aos cargos públicos. Restam-lhe a imprensa (colaborou nas revistas
O Sol Nascente e
Seara Nova), as conferências e as suas obras literárias. Com uma escrita intimista, por vezes autobiográfica, foi considerada a maior escritora da segunda metade do século XX reconhecida por
críticos como José Régio, João Gaspar Simões e Vitorino Nemésio. Os seus conceitos pedagógicos, a sua personalidade e as suas convicções políticas colidiam com a censura do Estado Novo. Foi meu privilégio conhece-la pessoalmente em criança. Era visita assídua da casa de meu avô materno, a casa da minha infância, onde se alojava quando se deslocava ao Porto. Foi sócia com intervenção activa da Associação Portuguesa Feminina para a Paz. A memória de Irene Lisboa permanece em ruas, avenidas, pracetas e escolas a que deram o seu nome. Trago-vos o seu livro
“Voltar atrás para quê?” como sugestão de leitura para Novembro. Nele é posta a nu a alma de uma adolescente. O mundo secreto de um ser ainda frágil e hesitante revelado tal e qual, desde as alegrias e sofrimentos às perplexidades e deslumbramentos. Irene Lisboa com objectividade, segurança e mestria, descreve-nos tudo que se passa no interior da sua heroína, com simplicidade inconfundível e inigualável. Quem será a heroína desta novela que nos aparece agredida e ferida pelo mundo e pelas pessoas? Evidentemente a própria autora…
Voltar atrás para quê? Tem um sabor a confissão terrível levado ao limite do sentir que nos empolga e comove. É um grito que vai ecoar sempre dentro de quem o ler. A sua escrita foi comparada a Tchekov, Dostoievsky ou Proust.
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“Aquele Verão! o primeiro Verão daquela sociedade… e o Outono, e depois o Inverno?
O Inverno naqueles casarões de corredores muito compridos… Até se lhe afigurava ver dançar coisas imperceptíveis mas verdadeiras, assustadoras, espécie de insectos alados e misteriosos, nos cantos onde a luz dos candeeiros mal chegava.
Ela a princípio se queria mostrar arrogante, conservar uma desenvoltura de colegial em férias; não se sentiria destituída da sua anterior posição na família; mas as adventícias foram-lhe baixando a proa. E sabiam-no fazer. Ela era a mosca ingénua, mosca presa na teia de ardilosa aranha."
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In Voltar atrás para quê?, Irene Lisboa, Editorial Presença, Dezembro de 1994
BOA LEITURA!
BEIJOS!!!