Abel de Lima Salazar (1889-1946), nasceu em Guimarães a 19 de Julho e viveu em S. Mamede Infesta, concelho de Matosinhos, durante mais de 30 anos, na casa que tem o seu nome, e que está transformada em Museu.
Terminou com 20 valores o Curso de Medicina e doutorou-se em 1915, na Faculdade de Medicina do Porto, com um Ensaio de Psicologia Filosófica, dissertação muito influenciada por Taine, a quem o júri atribuiu a classificação máxima.
Em 1919 era o professor da cadeira de Histologia da Faculdade de Medicina do Porto e foi o fundador e director do Instituto de Histologia e Embriologia, um centro de estudos muito modesto onde concebeu e realizou uma série de trabalhos de investigação notáveis, de que se destacam as pesquisas relativas à estrutura e evolução do ovário. Introduz concepções científicas próprias sobre a atrésia do folículo de Graaf, estabelece as bases da evolução pós-fetal do ovário e descreve os seus tipos principais.
Criou novos métodos de técnica histológica e, entre eles, o método tanino-férrico, o “método Salazar», que o irá tornar mundialmente conhecido. Sempre defendeu a prioridade da educação sobre o ensino, e assim mantém o Laboratório de Histologia permanentemente aberto aos alunos, tanto de dia como de noite, e facilita o desenvolvimento da observação, o convite à reflexão e à iniciativa pessoal, como uma outra forma de alcançar o conhecimento, em suma as bases da investigação.
O magistério de Abel Salazar era aberto ao diálogo com os seus alunos, com o objectivo de despertar o entusiasmo criador.
Desenvolveu métodos para estimular a inquietação científica dos seus alunos, procurando desenvolver as qualidades intelectuais e humanas de cada um. Ensinou-os a serem críticos em face do conhecimento estabelecido, porque sabia bem como muito dele era transitório.
Defendia a supressão da avaliação quantitativa e a redução ao mínimo da intervenção do professor na aprendizagem.
Em 6 de Julho de 1933, ingressou na loja maçónica do Porto «Lux et Vita», uma das lojas do Grande Oriente Lusitano Unido.
A 13 de Maio de 1935, o Governo do Estado Novo, publicou o f
amoso decreto – lei nº 25317, de modo a dar uma aparência de legitimidade às perseguições políticas que planeava.
Os dois primeiros artigos desse decreto-lei diziam o seguinte:
«Art. 1º. Os funcionários públicos ou empregados, civis ou militares, que tenham revelado ou revelem espírito de oposição aos princípios fundamentais da Constituição Política, ou não dêem garantia de cooperar na realização dos fins superiores do Estado, serão aposentados ou reformados, se a isso tiverem direito, ou demitidos em caso contrário.
Art. 2º. Os indivíduos que se encontrarem nas condições do artigo anterior não poderão ser nomeados ou contratados para quaisquer cargos públicos nem admitidos a concurso para provimento neles. Neste mesmo ano, começou a ser perseguido por razões de ordem política e foi compulsivamente afastado da regência da sua cátedra.
Apesar de expulso da Faculdade e das múltiplas dificuldades que lhe foram levantadas, publicou muitos trabalhos de índole científica, de marcada originalidade e alguns de grande repercussão no estrangeiro, desenvolvidos num pequeníssimo laboratório instalado num vão das escadas da Faculdade de Farmácia.
Dizia de si próprio:
” Esclareço que nunca fui um político; toda a minha vida me ocupei unicamente da actividade intelectual.”
Toda a sua actividade intelectual revela o democrata enérgico e activo, tantas vezes revoltado, na sua enorme ânsia de verdade e justiça social.
Além de cientista de renome internacional, Abel Salazar, notabilizou-se como pedagogo, artista plástico, ensaísta, crítico, filósofo criador e sistematizador, divulgador de doutrinas e ideais progressistas. «Pela variedade e brilho dos dotes, inclusive os científicos, aparentava-se a alguns dos grandes artistas da Renascença», disse dele Ferreira de Castro.
São várias as suas obras escritas:
Ensaio de Psicologia Filosófica, 1915.
Notas sobre a Filosofia da Arte, 1933. Está reeditado desde 2005.
A Posição Actual da Ciência, da Filosofia e da Religião, 1934
Evolução Histórica do Pensamento, 1934
A Socialização da Ciência, 1933
A Função Social da Universidade, 1934
Uma Primavera em Itália, 1934
Um Estio na Alemanha, 1935
Digressões em Portugal, 1935
A Ciência e o Momento Actual, 1938
Reflexões sobre a História, 1938
Paris em 1934, 1938
Digressões em Portugal, 1938
Recordações do Minho Arcaico, 1939 , reeditado desde 2002
O Que é a Arte? 1940 , está reditado desde 2003
A Crise da Europa, 1942
Henrique Pousão, 1947
Como artista plástico Abel Salazar praticou várias técnicas, e esta é uma das facetas mais notáveis do seu temperamento, da sua criatividade e da sua capacidade multifacetada. Reconhecido como pintor e desenhador, ainda tem uma pujante e qualificada obra c
omo caricaturista, gravador e escultor. A mulher em todas as suas actividades, é a grande musa inspiradora do artista na sua obra. Dedica-se com grande originalidade, aos cobres martelados. Numa execução pessoal, repuxando-os e combinando a acção dos ácidos com o fogo, dá, aos nus femininos, uma nova sensualidade. Os pratos de cobre que Abel Salazar cria são peças que despertam um fascínio incomparável.
Foi também crítico de Arte de que se evidenciam os seus exaustivos estudos sobre o pintor Henrique Pousão, as suas apreciações sobre Soares dos Reis, e Columbano entre tantas outras figuras de artistas nacionais e estrangeiros, e os seus escritos sobre a Filosofia da Arte.
O seu pensamento diversificado manifesta-se em «A Crise da Europa», estudos de divulgação, interpretação e crítica sobre «O pensamento positivo contemporâneo», sobre a filosofia das ciências e das religiões, a maior parte deles inéditos ou esparsos em jornais e revistas nacionais ou estrangeiros (principalmente em «O Diabo», «Sol Nascente», «O Trabalho», «Esfera» e «Seara Nova»), escritos do mais alto valor intelectual que carecem ser urgentemente reunidos, sistematizados e estudados por equipas de especialistas. Neste sector, são de recordar as suas obras: «A Socialização da Ciência», «O Condicionalismo Limitante e a Ciência», «Influência da Totalização da Experiência sobre a Evolução do Pensamento», «A Ciência e o Direito», «Indivíduo e Colectividade», «Clerocracia», «História Científica das Religiões».
Abel Salazar falece em Lisboa em 29 de Dezembro de 1946. O corpo segue para o Porto, mas o préstito funebre é desviado pela polícia política, para não passar por Coimbra. Chega de noite ao Porto, seguindo logo para o Cemitério do Prado do Repouso, onde a urna ficou depositada. No dia seguinte, realiza-se o funeral, que parte sem féretro da Casa dos Jornalistas e vai engrossando chegando ao cemitério um grande cortejo, onde uma multidão, formada por oposicionistas de diversas vertentes, lhe presta homenagem.
Discursam o republicano histórico Dr. Eduardo Santos Silva e o Prof. Ruy Luís Gomes que, seguidamente, é preso. No seu funeral encontram-se portugueses de
todas as condições, numa verdadeira consagração nacional. Após a morte de Abel Salazar, em 1946, foi organizada a Fundação Abel Salazar, por iniciativa do Prof. Ruy Luís Gomes e de um grupo de Amigos, que promoveu a abertura ao público de parte da Casa-Museu, com a exposição da sua obra artística (1950).
Aí, estão expostas as variadas expressões da Arte Viva, marcadamente pessoal, profundamente humana e plena de beleza, de Abel Salazar. Para preservar a Casa, o espólio por ele deixado, e vencer a sistemática oposição das autoridades da época para legalizar aquela Fundação, esta passou a constituir-se, em cooperativa (1963) sob a presidência do Prof. Alberto Saavedra, onde promoveu iniciativas de vulto. As reuniões deste grupo de mulheres e homens, que constituíam os órgão de direcção, na maioria seus amigos pessoais, e opositores ao regime conhecidos, efectuavam-se semanalmente em casa de meu avô materno, a casa da minha infância. Abel Salazar faz parte da minha memória embora tenha nascido já depois da sua morte.
Devido, também, à grande dedicação que esta "obra" sempre mereceu ao Presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, este conseguiu que aqu
ela Instituição comprasse a casa e o seu recheio, após a morte da viúva de Abel Salazar (1965) e adquirisse uma valiosa colecção de suas obras artísticas, pertencentes à sua irmã (1971).
Nesse período foram executadas obras de restauro que a adaptaram a Casa Museu e foi construído no jardim um Pavilhão de Exposições.
Em 31 de Maio de 1975, numa superior atitude de isenção, a Fundação Gulbenkian fez a doação da Casa-Museu, à Universidade do Porto. Em 2005 esta foi totalmente remodelada. De 10 de Junho a 28 de Julho de 2008, na Biblioteca Municipal do Porto está aberta ao público a exposição Abel Salazar, O Desenhador Compulsivo, numa organização conjunta da Associação para a Medicina, as Artes e as Ideias, da Casa Museu Abel Salazar e da Câmara Municipal do Porto. Do programa a 19 de Julho destaco pelas 11 horas a visita à Casa-Museu guiada pela sua directora, Drª Luísa Garcia Fernandes e palas 16 horas a Homenagem da Cidade, ancorada no Prof. Nuno Grande, nas instituições que preservam a sua memória e em testemunhos vividos por seua contemporâneos.
Este é o meu tributo a esta figura impar do século XX em Portugal.
BEIJOS!!