O romance “Travessuras da Menina Má” considerado pelo próprio Vargas Llosa como sua primeira “história de amor” marca um momento especial na carreira do escritor peruano de 70 anos. O livro é divertido a seu modo ligeiro, distante da grandiosidade dos seus anteriores romances. Relata a paixão de Ricardo o “bom menino” que apenas quer viver em Paris, uma vida pequeno-burguesa de tradutor pela “menina má” que não mede esforços para ser muito rica, e usa todas as artimanhas femininas para o conseguir. Atravessa o tempo (quatro décadas) e o espaço e esboça a segunda metade do século XX desde Lima nos anos dourados, passando por Paris no tempo do radicalismo estudantil, a Londres, Japão e Madrid. Através da dor e da alegria, da humilhação e da felicidade, do trágico e do cómico, conhecemos um amor de mil faces, indefinível, fora das classificações e tipificações que teimamos em dar às coisas e aos sentimentos. Qual é a verdadeira face do amor? Em cada cidade Ricardo reencontra a sua fria e impiedosa amada com uma nova identidade, num novo papel. O seu amor é tão intenso, a narrativa de Llosa tão vigorosa, que a cada página fui ficando cativada a ponto de eu própria me afeiçoar à “menina má”. Mario Vargas Llosa nasceu em 1936, em Arequipa, no Peru. Professor universitário, académico e político, é uma personalidade intelectual de grande vulto e um dos mais importantes escritores da América Latina e do mundo. Da sua vasta obra pode destacar-se A Cidade e os Cães (Prémio Biblioteca Breve, 1962; Prémio da Crítica Espanhola, 1963), A Casa Verde (1967; Prémio Nacional do Romance do Peru, Prémio da Crítica Espanhola, Prémio Rómulo Gallegos), Conversa na Catedral (1969), Pantaleão e as Visitadoras (1973), A Tia Júlia e o Escrevedor (1977), A Guerra do Fim do Mundo (1981; Prémio Ritz-Hemingway – 1985), História de Mayta (1984), Quem Matou Palomino Molero? (1986), O Falador (1987), Elogio da Madrasta (1988), Lituma dos Andes (Prémio Planeta, 1993), Como Peixe na Água (1993), Os Cadernos de Dom Rigoberto (1997), Cartas a Um Jovem Romancista (1997), A Festa do Chibo (2000) e o Paraíso na Outra Esquina (2003).
“Peguei-lhe pelo braço com força e, sorrindo-lhe, obriguei-a a afastar-se dos que a rodeavam. Olhou-me com um desagrado que lhe retorceu a boca e ouvi-a a proferir os primeiros palavrões desde que a conhecia:
-Larga-me, fucking beast – murmurou, entredentes. – Larga-me, que ainda me metes em complicações.
Se não me telefonas digo a Mr. Richardson que és casada em França e que a polícia da Suíça te persegue por teres esvaziado a conta secreta de monsieur Arnoux.
E meti-lhe na mão um papelinho com o número do telefone do pied-à-terre de Juan em Earl’s Court. Depois de um instante de pasmo e mudez – a sua carinha converteu-se num ricto – soltou uma gargalhada abrindo muito os olhos:
- Oh, my God! You are learning, menino bom – exclamou, refazendo-se da surpresa, com um tom de aprovação profissional.
Deu meia volta e tornou a juntar-se ao grupinho do qual eu a tinha arrancado.
Fiquei certíssimo que não me telefonaria. Eu era uma testemunha incómoda de um passado que ela queria apagar a todo o custo; caso contrário, nunca teria agido como fizera toda a noite, esquivando-se daquela maneira. Contudo, telefonou-me para Earl’s Court dois dias depois, muito cedo. Mal pudemos falar porque, como costumava fazer antigamente, ela se limitou a dar-me ordens:
-Espero-te amanhã, às três, no Russell Hotel. Conheces? Na Russell Square, perto do Museu Britânico. Pontualidade inglesa, por favor.”
In Travessuras da Menina Má, Mario Vargas Llosa, tradução de J. Teixeira de Aguillar, Publicações D. Quixote, Lisboa Setembro de 2006 (Pag: 119/120 de 375)