António que é nome de Ministro da Saúde (a vida tem destas contradições) 46 anos, marceneiro, grande bebedor e fumador, divorciado, "gingão", boa figura, olhos azuis incendiados, procurou-me com uma ferida de muito mau aspecto na perna direita. Deixou-se arrastar visita após visita, sem que o conseguisse convencer a tomar fosse o fosse... A cada visita lá lhe dizia:
" - António a ferida está feia, muito feia mesmo. Queres fazer o tratamento? Estás disposto a tomar o antibiótico se o receitar?"
" - Passe lá!... Desta vez, eu tomo...".
Mas por detrás da afirmação, aquele lume aceso no fundo dos olhos, garantia-me o contrário… Não consegui convencê-lo de modo algum, e na minha ausência, durante as férias, foi internado no hospital central. A ferida gangrenou e a perna direita foi-lhe amputada pelo meio da coxa. Foi o começo da bola de neve do que viria a seguir… Tudo correu mal! Ainda hospitalizado fez uma trombose, ficou paralisado à direita, e sem falar… Quando no regresso o fui ver a sua casa, chão de terra, cama de ferro, paredes de pedra escura de fumo, porta de frinchas e muitas, muitas moscas, nada mexia no seu lado direito, e os seus olhos parados em mim não tinham lume... Cuidava (?) dele uma irmã mais velha e solteira, que durante toda a visita me olhava rancorosa enquanto desfiava o “rosário” das consumições que o António sempre lhe causara e ainda causava agora…
"- Neste estado! Que vai ser de mim?"
"- António, o que pensas de ir viver para o Lar de Santo António? Posso tratar disso, e a tua irmã pode ir lá visitar-te." Disparei eu…
" - António a ferida está feia, muito feia mesmo. Queres fazer o tratamento? Estás disposto a tomar o antibiótico se o receitar?"
" - Passe lá!... Desta vez, eu tomo...".
Mas por detrás da afirmação, aquele lume aceso no fundo dos olhos, garantia-me o contrário… Não consegui convencê-lo de modo algum, e na minha ausência, durante as férias, foi internado no hospital central. A ferida gangrenou e a perna direita foi-lhe amputada pelo meio da coxa. Foi o começo da bola de neve do que viria a seguir… Tudo correu mal! Ainda hospitalizado fez uma trombose, ficou paralisado à direita, e sem falar… Quando no regresso o fui ver a sua casa, chão de terra, cama de ferro, paredes de pedra escura de fumo, porta de frinchas e muitas, muitas moscas, nada mexia no seu lado direito, e os seus olhos parados em mim não tinham lume... Cuidava (?) dele uma irmã mais velha e solteira, que durante toda a visita me olhava rancorosa enquanto desfiava o “rosário” das consumições que o António sempre lhe causara e ainda causava agora…
"- Neste estado! Que vai ser de mim?"
"- António, o que pensas de ir viver para o Lar de Santo António? Posso tratar disso, e a tua irmã pode ir lá visitar-te." Disparei eu…
E naquela tarde, com a sombra da irmã "consumida", porque consegui falar pelos dois e nos entendíamos pelos olhos, fiquei a saber que gostava de ler e escrever. Pedi-lhe que fosse tentando falar, e que fizesse por mexer o braço. Dei-lhe uma daquelas bolinhas anti-stress perdida pela pasta, para exercitar a mão.
Procuraram-me do lar uns meses depois para declarar que o António necessitava de uma cadeira de rodas. Não o fiz sem o ir ver, e levei-lhe uma das flores que me tinham dado, pois nesse dia era o meu aniversário. Ao entrar na sala de espera onde o António me aguardava sentado, ele, com muita dificuldade levantou o braço direito e disse-me:
" - Olha!"
Vivia no lar há dois meses e pela primeira vez lhe ouviram palavra. Estendi-lhe a mão com os olhos rasos de água, sentei-me ao seu lado e ficamos de mãos dadas. Ninguém imaginava lá no lar que o António gostava de ler, mas a partir daquele dia, passou a ler o jornal que lhe levavam diariamente. Fizemos um pacto. Ele mexeria o braço, e eu, iria ao bailarico de 12 de Junho lá do lar. (O António nasceu a 12 de Junho). Quando ao anoitecer entrei no salão, senti pousados em mim os olhos curiosos de residentes e funcionários, mas, lá do canto, António, em rotação acelerada de cadeira gritou:
"- Vieste!"
Poisei as tralhas na primeira cadeira, e rodopiamos os dois em boas gargalhadas. À saída, gritei-lhe da porta:
" - António, na próxima quero ver-te em pé!"
Vivia no lar há dois meses e pela primeira vez lhe ouviram palavra. Estendi-lhe a mão com os olhos rasos de água, sentei-me ao seu lado e ficamos de mãos dadas. Ninguém imaginava lá no lar que o António gostava de ler, mas a partir daquele dia, passou a ler o jornal que lhe levavam diariamente. Fizemos um pacto. Ele mexeria o braço, e eu, iria ao bailarico de 12 de Junho lá do lar. (O António nasceu a 12 de Junho). Quando ao anoitecer entrei no salão, senti pousados em mim os olhos curiosos de residentes e funcionários, mas, lá do canto, António, em rotação acelerada de cadeira gritou:
"- Vieste!"
Poisei as tralhas na primeira cadeira, e rodopiamos os dois em boas gargalhadas. À saída, gritei-lhe da porta:
" - António, na próxima quero ver-te em pé!"
Não houve próxima. Em Setembro, certifiquei o seu óbito.
Estou certa, que quando ambos se cruzarem, Santo António o vai abraçar com ternura enquanto lhe murmura: "- Vieste!"
Esta é a minha homenagem ao António!
Estou certa, que quando ambos se cruzarem, Santo António o vai abraçar com ternura enquanto lhe murmura: "- Vieste!"
Esta é a minha homenagem ao António!
BEIJO MEU PARA TI!
BEIJOS!!
BEIJOS!!
18 comentários:
Sarava!
Boa homenagem...
mas com o seu "q" de trágica...
e eu com horror a agulhas e amputações e tudo e tudo...
beijinhosssssss
São as vidas reais...
Deixei-te um prémio... vai buscá-lo quando quiseres!
Bom fim de semana. Bjs.
Papoila. A quem quer que seja que foram ditas as palavras,gostei de ler porque são estas coisas do dia a dia que marcam a vida,para o bem ou mal,com finais felizes outros nem tanto assim,mas valeu a força do carinho e da amizade,para o outro ser ver que havia alguém que se importou por si... Bem hajas amiga pelo teu calor humano e pelo sorriso que levas.
Beijinho bfs Lisa
Uma bela homenagem que qualque pessoa gostaria de ter.Também vi .Beijinhos
Comovente.Li interessado o relato da tua passagem na vida do António que me revelou uma tua faceta não conhecida, mas sempre suspeitada.
Abraços
Realmente sua narrativa me emocionou...
Muitas vezes, basta um pequeno carinho para dar tanta alegria para o outro... Que bom você ter tido esse gesto com o Antonio!
Deus a abençoe!
Beijos de luz e o meu especial carinho...
O carinho e atenção podem fazer pequenos milagres, e por vezes custa tão pouco ajudar quem precisa!
Bom fim de semana
Abraço do Zé
Papoila
Gostei muito de ler esta bonita homenagem a este homem, António.
bjs
Esperança
Olá Papoila,
e que BELA HOMENAGEM!
António com toda a certeza se sentiu acarinhado, e feliz por ter a sua atenção e amizade, e nós quando podemos ajudar e fazer algo que minimize a dor dos outros sentimo-nos mais felizes e úteis.
A vida é uma passagem, mas se for vivida com amor e dignidade, com certeza se torna muito mais bela...
Beijinhos e um bom fim de semana
Querida e Doce Papoila, que bela e bonita homenagem! As pessoas que nos são queridas ficarão para sempre na nossa memória, se redordarmos para sempre os momentos passados na sua companhia.
Maravilhosa música de Elba Ramalho... relaxante!
Obrigada pela sua linda presença no cantinho da terra do nunca. É sempre bem-vinda.
Bom fim-de-semana com muito carinho, paz e alegria no seu coração doce.
Beijinhos carinhosos e abraço meiguinho.
Olá amiga! Gostei tanto k me emocionei e devo dizer k quase senti o k deves ter sentido qdo tiveste de lhe certificar o óbito. É uma dor na alma, uma secura na boca e um aperto no coração qdo se perde alguém que acabamos por "amar". Aceitam-se estas coisas, mas nunca se comprendem. Tenho a certeza k tanto ele como Stº. António rezarão por ti que lhe deste alegria e amor fraterno e um pouco de felicidade. Bonita homenagem. Um grande beijo para ti querida amiga!
Uma bonita homenagem. E o que mais aflige é saber quantos Antónios, Josés ou Manéis existem por esse País que não teem uma médica interessada que lhes dê uma alegria nos últimos dias de vida, que compense uma vida sofrida.
Um abraço e bom Domingo.
Com os olhos rasos de lágrimas, deixo-te um beijo e um bem-hajas.
Sempre gostei muito de ti. E cada vez mais.Há tanta falta de humanidade por aí!
Um Abraço apertado.
Sophiamar
que bela homenagem e uma lágrima caiu...
xi muito apertado a quem não receia tocar nos pacientes e que os acarinha desta forma
maria de são pedro
Passei para deixar votos de uma boa semana e ouvir a música, sempre agradável.
Minha querida e doce Papoila...outono, tempo cinza e triste, avizinhan-se tempos de lareira. Vim como faço sempre que ando pelos blogs, obvio que tinha de vir.Uma Homenagem feita de vidas, de sentires...Beijo n´oteudoceolhar ***
Querida amiga. Venho agradeçer a tua linda visita,pois tenho estado com gripe,e não vim quando eu gostaria.
Beijinho e boa semana
Vim
cheguei para te fazer uma visita e fiquei com lágrimas nos olhos depois de ler este texto tão bem escrito como só a Papoila sabe escrever.
Bom fim de semana
Voltarei não sei quando
Beijinhos
Aldora
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