sábado, dezembro 16, 2006

Um Natal em Angola...II


No dia seguinte pela manhã partiram num avião militar bimotor para o Toto. Maria durante a viagem não parava de conversar sobre as sensações que o passeio da véspera lhe causara… As ruas de Luanda cheias de árvores frondosas, a praça da Maria da Fonte, a Avenida Marginal, a Ínsua onde tinham jantado camarão e sua filha repetia:
“Descasca outro bicho desses para mim que eu gosto, Mamã!”
Aquele mar! O passeio pela praia à noite com o mar pelos joelhos e a água como caldo… E as pessoas… o colorido, os sorrisos, as gargalhadas e os bebés tão lindos. Seguramente África tinha uma magia que a encantava, que a seduzia, que a prendia!
Com cuidado seu marido advertiu-a:
"Maria! O quartel fica no meio do mato, num velho hotel de caçadores, rodeado de arame farpado, e tem uma sanzala anexa…Fica a 3km de uma base aérea distância que vamos percorrer por uma “picada”no meio da savana, de jipe … Não te iludas!"
Maria não pôde deixar de sorrir enquanto pensava que seu marido sempre receou a sua capacidade de “voar” em pensamento e estava a pintar-lhe o quadro com as cores mais negras para que não se desiludisse…
Aterraram na Base aérea onde um jipe os esperava e seguiram pela “picada” poeirenta, ladeada por verdes e finas plantas cerradas como muros. Ao longe avistavam-se montanhas e numa colina próxima um edifício cor-de-rosa rodeado de arame farpado chamou-lhe a atenção
“Isto é grandioso! Que perfume! Isto são canas? Aqui há animais selvagens? O que é aquele casarão?”
“ Isso é capim! O quartel! Estamos a chegar!”
A “picada” desembocava num largo cruzado por uma rua larga de terra batida e na sua extremidade Oeste ficava o quartel que lhe pareceu frágil e desprotegido. Na outra extremidade do lado Este numa outra colina avistavam-se uma série de cubatas e entre eles duas filas de casinhas térreas com uma porta e duas janelas. Ao longe do lado Sul e do Lado Este a imponência de verdejantes montanhas. O que mais impressionou Maria foi a magnitude do silêncio cruzado aqui e ali pelo roçar das asas de bandos de pássaros.
De cada lado do portão de madeira as guaritas de dois sentinelas e a cerca de madeira e arame farpado onde de onde em onde se viam outras guaritas.
Chegados ao quartel no grande pátio da parada apearam-se e seu marido disse-lhe.
“Vamos primeiro à messe de oficiais para te apresentar, e vamos ao meu quarto e à enfermaria para ficares a conhecer, e depois vamos para casa.”
Maria deu a mão à menina e esta apontando a G3 de um militar perguntou:
“Para que serve aquilo?”
“Para matar os mosquitos…”,
respondeu-lhe o pai.
Quando entrou na sala da messe levando sua filha pela mão notou que todos os olhares se dirigiram para elas. Sorriu com timidez. A menina muito lourinha e engraçada dirigiu-se a um dos oficiais que estava de saída apontou para a arma e perguntou:
“Tu também matas* esquitos* com isto?”
“Sim minha menina isto é para matar mosquitos, pegou-lhe ao colo e continuou, estava à tua espera sou o capelão aqui do quartel e muito amigo do papá. Sabia que vinhas hoje… Afinal és ainda mais bonita do que ele contava. E a tua mamã também.”
Maria sorriu mais desinibida porque afinal os elogios que sempre a incomodavam vinham do padre. Já sabia da grande amizade entre ele e seu marido pelo o que este lhe contava nas cartas. Percebeu que embora nunca se tivessem visto ela já o conhecia pelas descrições e ele facilmente a reconheceria a ela e a sua filha pois seu marido tinha na parede de seu quarto um enorme poste com a foto das duas.
“Tenho que sair, vou à sanzala! Logo quero conversar convosco. Passo lá por casa… Até logo!”
Depois das apresentações e dos cumprimentos com conversa de circunstância o major comandante do aquartelamento disse a Maria.
“O seu marido estava ansioso pela vossa chegada. Estou certo que a senhora doutora vai ter aqui uma boa estadia e eu e a minha mulher estamos disponíveis para lhe prestar as informações que necessitar.”
Agradeceu com um sorriso mas para si pensou que poucas seriam as dúvidas que teria de esclarecer com aqueles dois.
Fez uma breve visita ao quartel e à enfermaria e foram até uma das casas que tinha visto à entrada.
A casa, de chão de cimento vermelho tinha um quarto de casal, uma sala com um divã sofá e uma pequena casa de banho de chuveiro, sanita e lavatório.
Finalmente juntos e sós, Maria abraçou seu marido e exclamou:
“Vou gostar de aqui estar contigo. Não te preocupes com as instalações. O fundamental é estarmos aqui os três! Como é com as refeições? Fazemos aqui ou vamos à messe? Eu preferia que as fizéssemos aqui!”
“Já pensei nisso e já providenciei a comprar esta marmita para se ir buscar as refeições à messe. Não quero que te preocupes a pensar em cozinhar, até porque não sei bem o que possas cozinhar… Desde há um mês que as nossas refeições são esparguete com atum de conserva, o MVL foi cortado e não temos arroz, e há muito pouco açúcar, as batatas estão a ser guardadas para o Natal. Já me abasteci com uma lata de Nido das grandes e uma embalagem de papas Nestum para a menina. Estou a ficar preocupado, porque os soldados ainda comem pior… Posso dizer que se está a viver um período de verdadeira fome…”


(continua)

1 comentário:

Anónimo disse...

NAO GOSTO DISTO