quinta-feira, abril 13, 2006

Menores em Risco


A notícia do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em que considera ser uma medida educativa aceitável, e que qualquer pai de família em determinadas situações pode ser considerado negligente por não as aplicar, como palmadas (no caso bofetadas) e encarceramento em quartos escuros, causou-me estupefacção e indignação. É que como responsável dos serviços de saúde numa Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco do concelho onde presto serviço, sou muitas vezes defrontada com situações de agressão sobre crianças por parte dos progenitores. Estas são sempre condenáveis e levam à abertura de processos de acompanhamento da família no sentido de se estabelecer acordos de promoção do desenvolvimento das crianças e sempre na defesa intransigente dos seus direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos da Criança. É por este motivo que apresento este texto.

A palavra família tem a sua origem no latim, família. Em Roma, a palavra família designava o conjunto de pessoas, parentes e domésticos, que viviam sob a autoridade do paterfamilias. Deste modo, a palavra latina família deriva da palavra familius que significa servidor. Ao longo da história este significado evoluiu e a tradição, a cultura, o contexto político, económico e social determinam uma quantidade quase infinita de parâmetros que impossibilita uma única definição hoje em dia. Escolhi as seguintes:
A família é qualquer pequeno grupo em que as pessoas vivem, comem e dormem, qualquer que seja a composição, forma ou nome que o grupo possa ter. A única coisa importante na definição de família é que este pequeno grupo tenha um passado e um futuro comuns, embora estes possam ser de curta duração”. Muygen, “Family Medicine - Medical Life History of Families” Nimeda, Decker e Vande Vegm, 1978
A família é um grupo de pessoas, frequentemente mas não necessariamente ligadas pelo sangue ou pelo casamento, com um compromisso de coabitar e cuidar umas das outras ao longo do tempo.” Janet Christie-Seely, “Working with the Family in Primary Care - a systems approach to health and hilness”, Praeger, 1983
A família não é mais aquele agregado familiar constituído por pais e filhos unidos para o mesmo fim, como dantes se falava. A família é hoje, um espaço emocional à procura de novos equilíbrios e que pode revestir a mais diversas formas.” D. Sampaio , T. Resina, “Família: Saúde e Doença”, ICGZS, 1990
As famílias são agora estudadas como pequenos sistemas abertos, sistemas profundamente influenciados pela dinâmica das relações interpessoais internas, mas igualmente pelo contexto do meio externo onde a família se insere. A capacidade parental prepara-se desde a infância e depende em grande medida dos cuidados recebidos, dos modelos afectivos e educativos que os pais vivenciaram na sua própria família. É também muito importante o contexto de vida actual da família e os acontecimentos vitais que ocorrem no decorrer do ciclo de vida familiar. Diversos acontecimentos que atingem a família podem repercutir-se no seu funcionamento, e causarem tensão excessiva como: condições de vida deficientes, doença grave, crónica ou morte de um dos membros, depressão ou outra doença mental (alcoolismo ou toxidependência) num dos seus membros, conflito conjugal grave ou desagregação familiar. A qualidade da relação do casal é a pedra base para as relações com os filhos, embora também sejam importantes para o desenvolvimento da criança as relações existentes com a família alargada, a boa inserção social ou o isolamento, os acontecimentos vitais e o seu impacto na família, o meio circundante e a sua acção (escola, trabalho) e as condições d vida. As famílias repetem-se. Para compreender os valores, os mitos, os papéis e as relações é importante ter a perspectiva de pelo menos três gerações. O que acontece numa geração frequentemente reproduz-se na seguinte ou salta uma para reaparecer. É aquilo a que chamamos a transmissão multigeracional dos padrões familiares. Para quem trabalha com famílias, numa perspectiva de promover e as capacidades parentais, é muito importante compreender o que torna a família mais vulnerável os acontecimentos vividos na família suficientemente importantes para provocarem modificações no seu sistema, alguns acidentais e outros ligados ao processo de desenvolvimento da família, e implicam alteração dos papéis, das regras, das expectativas e dos comportamentos. Só então se avalia quais os factores de protecção que importa promover naquela família.
Quando surge o conflito, a violência recai nos mais fracos, as crianças, as mulheres e os idosos. Pode medir-se o grau de ansiedade vivido em cada família inquirindo sobre negócios inacabados, isto é, os problemas emocionais que um indivíduo não conseguiu resolver na sua família de origem, e vai revivê-los e procurará resolvê-los na sua família actual. Não devemos esquecer a delegação, isto é, muitos pais podem encarregar os filhos da missão de um acerto de contas deles próprios com problemas do seu passado mal ou não resolvidos. As missões delegadas nos filhos podem ter várias origens e implicarem motivações diferentes, desde a substituição de um ente querido à guerra conjugal e missões reparadoras.
Quando a família está em crise necessita de ajuda e suporte técnico articulado. A ajuda pode resumir-se a ajudar a restabelecer a rede de suporte familiar (família alargada) e social (vizinhos, amigos) ou promover a criação de redes artificiais quando necessário, por exemplo alcoólicos anónimos e outras. Só em casos extremos se institucionaliza a criança, para garantir a sua integridade física.
As famílias em crise permanente são famílias sem passado nem futuro. Os seus membros negam os próprios sentimentos e a realidade, o que não pode ser falado, transforma-se em passagem ao acto constante, e a crise é uma forma de resistência á mudança.


Hoje nenhum pássaro fugiu,
a tarde está mais triste.
Tudo nos repele, nos afasta, nos cala,
nesta tarde de Domingo morna,
de família em pantufas...
Nem ponte, nem laço, nem mão,
nem mar, nem chuva, nem areia
ou qualquer outra forma de comunicação.
Hoje, nada de nada aconteceu.
Foi a mesma força dos dentes fechados, a lembrar: - Não é teu!
Foi o mesmo silêncio, e a raiva, que não se mexeu.
Hoje, nada de nada aconteceu!
Foi o mesmo estar e não estar,
o mesmo falar, e não dizer,
o mesmo viver e não o ser…
Fazer, ferindo uma surdez feroz,
mudos, de olhos mais fundos que o céu,
vivemos ansiosamente lúcidos.
Sabemo-lo com a tristeza, de estarmos quase sós…
BEIJOS

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