sexta-feira, abril 25, 2008

A tesoura que viveu na clandestinidade...

A Tátá sempre gostou de objectos de ouro de Toledo e numa das suas visitas pela Mancha, o Bau deu-lhe uma tesourinha que sempre trazia na carteira… e servia para cortar uma linha, um espigão, uma flor, um papel…
No dia de Natal de 1972 a família partiu para Lisboa a visitar o mano em Caxias. Embora ainda em período de interrogatório, o dia de Natal dava direito a visita comum, sem vidros de parlatório de permeio, só com a presença de um guarda prisional, e com direito a abraços e beijos… Tudo o que levávamos ficou na portaria para ser inspeccionado e à saída o pequeno tabuleiro de barro com aletria que lhe levara foi-me devolvido por ser um objecto perigoso… poderia quebrar o barro e tentar suicidar-se… argumento que me fez espalhar o doce por todo o átrio da cadeia com o olhar de espanto dos guardas e o receio da família em que ficasse também ali retida… Só passados oito dias foi colocado na cela que dividiu com três companheiros. Na primeira visita que a Tatá e o Bau lhe fizeram (e não era fácil… não vivíamos em Lisboa…) o mano pediu uma tesoura para poder cortar as unhas dos pés… a Tátá não hesitou em deixar ficar na portaria a pequena tesoura que sempre a acompanhava e que deveria recolher no dia seguinte. Na verdade, a tesoura não lhe foi entregue e também ela não a pediu… e assim ficou retida em Caxias… Como foi possível não sei… diz o mano que há segredos que não convém revelar porque nunca se sabe se pode vir a ser necessário voltar a usá-los… O mano saiu de Caxias em Maio de 1973 mas a tesoura ficou na cela entregue a um fiel depositário conhecido (de quem não revelo o nome) porque era muito útil aos restantes residentes… Os presos de Caxias depois de julgados ou eram libertados com penas suspensas como aconteceu ao mano ou transferidos para o forte de Peniche … E foi assim que a tesourinha da Tátá viajou clandestina também com métodos que não podem ser revelados… (há sempre um tacão de um sapato que pode ser oco…) até Peniche onde viveu e foi de grande utilidade na cela que habitou até ao dia 25 de Abril de 1974… Como sabem, o mano estava de novo em Caxias, foi um dos libertados na madrugada de 27 de Abril depois daquela noite de vigia tão bem relatada neste artigo. A Tátá, o Bau e o mano foram festejar na Graça com um velho companheiro de cela libertado de Peniche, que com pompa e circunstância devolveu à Tátá a tesourinha que viveu na clandestinidade entre Caxias e Peniche nesse período…
Esta é uma pequena história que merece ser contada para festejar mais um aniversário do 25 de Abril de 1974!







VIVA O 25 DE ABRIL!
BEIJO MEU PARA TI!!!
BEIJOS!!!

17 comentários:

Anónimo disse...

Olá!
Obrigada Papoila por mais um relato bem real de quem viveu e sentiu a liberdade nesta data.
Felizmente o 25 de abril aconteceu e a tesoura voltou ao dono.
P.S- o video é muito giro :)
Beijos libertadores ;)

Cláudia

Anónimo disse...

Lindo!...25 de Abril sempre...é esta a minha homenagem.

Agulheta disse...

Papoila.
Pois este relato da vida real,que alguns gostariam de esquecer? mas bem haja quem viveu,de uma forma ou de outra,e sabe sentir Abril,na sua planitude e liberdade,este testemunho e outros fazem doer,de quem sofreu ou víu sofrer.
Beijinho e viva Abril
Lisa

Anónimo disse...

25 de Abril...Sempre!!!

paginadora disse...

A paz,o pão,educação, saúde para todos.
Viva o 25 de Abril!
Viva a liberdade!
Viva Portugal!
Um grande beijo fraterno para ti.

Elvira Carvalho disse...

Obrigada por esta história. E obrigada ao Mano pela luta.
Um abraço, e VIVA A LIBERDADE.

rendadebilros disse...

Preciosa a tesourinha e a forma como descreves momentos, dias, meses que não terão sido nada fáceis... mas que subentendem um orgulho no Mano...
Beijos ...

Jorge P. Guedes disse...

Deliciosa história a da tesourinha toledana, prisioneira em Caxias.
Hoje, estes são momentos com humor, mas na época...

E que sejam bem guardadops os segredos! Nunca se sabe! e do modo que as coisas vão...

Um abraço, Papoila.
Jorge P.G.

mixtu disse...

e que grande relato...
a tesoura...
sim.. são segredos mas que se podem contar, os guaradas não são blogares... yayaya

abril que se faz, abril que se cumpre...

ps. esta mano é teu?

Anónimo disse...

25 de Abril sempre!

Peter disse...

Uma bela história de um acontecimento que eu vivi intensamente, não em Lisboa, mas noutra cidade, onde recebi a missão de neutralizar a Legião Portuguesa.

PS - Tento adaptar-me à minha nova vida e daí a menor frequência das minhas visitas.

Uma estrela errante disse...

Olá Papoila linda,

Adorei o teu texto um carossel de emoções.

Beijinhos

Isa

lua prateada disse...

Oi linda , eu por acaso andava tão longe do que existia na altura que só tempos depois é que comecei a perceber alguma coisa,não sei se isso foi melhor ou pior, mas pelo que comecei a saber depois até fiquei contente por não saber antes onde estava metida.
Passei te desejando um fim de semana leve, suave, lindo, cheio de amor...desfruta dele!...
Beijinho prateado com carinho
SOL

Elvira Carvalho disse...

Passei para deixar um abraço.
Bom Domingo

O Profeta disse...

Porque sonhas com o outro lado
Enches o vazio da eterna espera
Amas quem não podes ter
Pintas de realidade a quimera


A liberdade do pensamento vive entre dois mundos…


Convido-te a conhece-la…


Bom fim de semana


Mágico beijo

Zé Povinho disse...

Porque há quem não saiba o que é viver sem Liberdade, este testemunho é muito importante.
Abraço do Zé

Anónimo disse...

Gostaria de deixar aqui meu elogio, li o artigo de Afonso Moreira e apesar de não ter vivido nada disso sinto como devem ter sido emocionantes esses momentos.


Interessante artigo e seu texto sobre a tesoura(tocante) que retornou ao seu lugar original.

Abraços carinhosos