Frequentava a Faculdade de Medicina de Lourenço Marques a 25 de Abril de 1974. O meu irmão, encontrava-se preso em Caxias. Vivi agarrada ao rádio até ouvir a sua voz ao telefone na madrugada de 27 de Abril... Em Moçambique não havia televisão... Apresento hoje este artigo publicado no Jornal Litoral (Aveiro) em 25 de Maio de 1974, um relato vivido, pelo seu valor histórico.
Eu estive na
Eu estive na
VIGILIA de CAXIAS
Caxias, o Forte de Caxias, o complexo de redutos Norte e Sul de Caxias, é um símbolo da degradação, do aviltamento, da decomposição moral a que chegara o regime deposto.
Complexo de redutos e reduto ele próprio, o Forte, como bem demonstrou quando, batidos, dominados todos os restantes núcleos do sistema no fim da tarde gloriosa de 25 de Abril, ele, o Forte de Caxias, a guarnição que o mantinha e lhe dava trágico sentido, cobardemente escudada na carga preciosa que guardava, os seus cerca de 80 prisioneiros políticos, alguns dos quais figuras lendárias da resistência portuguesa, pólos vivos da luta corajosa de vários anos, entendeu barricar-se no interior e recusar a rendição que lhe era imposta pelo vitorioso exército de libertação, naquele transcendente fim de tarde!
Caxias, modesta povoação sobranceira ao estuário do Tejo, à ilharga da estrada de Lisboa - Cascais, não merece, certamente, o estigma que a presença ali do Forte tenebroso lhe confere, não pelo Forte, naturalmente, mas pelo sinistro uso que a este foi dado – não merece o estigma aviltante consequente da situação que lhe coube em sorte!
É uma reparação que o País deve, por certo, a Caxias, a lavagem da fama imunda, degradante, motivada pela implantação do temor, da angústia, da dor imensa, do sofrimento que o seu simples nome recorda e que muitos dos melhores filhos de Portugal sofreram na própria carne dilacerada!
Na verdade, recusada a rendição dos esbirros perante as forças armadas sitiantes, e alertados os prisioneiros através de morse lançado por cumplicidade externa – esta cumplicidade popular, anónima, solidária, corajosa, tácita, que 48 anos de repressão, de desmoralização, de desafectação moral do fascismo negro não conseguiram eliminar ou sequer reduzir – recusada a rendição, foi toda a demora da noite longa e angustiante de 25 para 26 de Abril; para os cativos, no interior, agora em rebelião mas desarmados e impotentes, todavia; para a massa avassaladora de populares, de familiares, de amigos, de partidários, no exterior e que, naquela hora, temiam a consumação da tragédia que poderia resultar da confrontação violenta que porventura se desenhava e ameaçava explodir!
A insónia durou a noite inteira – fremente de inquietação de angústia, de ansiedade expectante da multidão enorme que, afastada, fazia vigília ininterrupta.
Ao dealbar da manhã, com a rendição dos elementos da GNR encarregados da guarda exterior do Forte, houve o primeiro sinal de derrocada do bastião – o que deu aquela multidão ansiosa, com a esperança da submissão próxima do foco insubmisso, a consciência do agravamento perigoso da segurança dos prisioneiros – amigos, parentes, homens, mulheres, jovens, raparigas e rapazes de formidável capacidade de luta, resistentes intemeratos ao sofrimento á tortura física, psicológica e moral – objecto das técnicas de tortura cientificamente estudadas em Sete - Rios – este outro antro tenebroso torpemente designado de “escola” – a longa privação do sono, a estátua, o isolamento, a alternância de processos ora blandiciosos ora violentos, brutais, visando à destruição das últimas reservas de resistência física e psíquica!
A batalha, a prolongada batalha interior de cada um daqueles devotados amigos havia ainda, depois disso, de durar algumas horas até à rendição final, decisiva, definitiva, da cidadela.
Naquele cabeço do terreno onde, temeroso, isolado, afastado de toda a zona habitada da povoação – excepção feita a um pequeno bairro da lata, miserável, quase contíguo ironicamente desprotegido e desprovido de condições mínimas de habitabilidade face à majestosa e majestática segurança, a todos os níveis do poderoso bastião, - com portas, portinhas e portões de ferro fechados e refechados, casamatas dispersas de betão, fossos, adivinhadas construções subterrâneas; - e polícias, agentes, homens e mulheres de expressão hedionda, em grande parte dos casos, elementos da GNR, carcereiros; - e cães polícias belamente tratados e malevolamente treinados utilizados em missões nas quais, comparsas, representam a própria inocência ultrajada; naquele cabeço do terreno, dizia, o aparecimento sobre os muros e paredes do Forte, das casamatas antes ocupadas pelas sentinelas da Guarda, o aparecimento dos militares sitiantes – dos soldados que eram já, àquela hora, os porta-estandarte da liberdade reconquistada, naquele cabeço escaldante de emocionada expectativa, deu-se a explosão maravilhosa; - a situação fora dominada, os soldados tomavam posse do bastião, e iniciava-se a libertação dos prisioneiros – sãos e salvos todos eles.
A tragédia que se receava, não se consumara!
A abertura subsequente das celas, a seguir a confraternização dos cativos – abraços, beijos, saudações irreprimíveis, pactos, o encontro fraterno com os soldados - irmãos salvadores – tudo isto foi um momento alto naquele antro da ignomínia e da degradação!
Lá dentro no Forte, e cá fora entre a multidão expectante, dava-se agora uma alteração de sentimentos; duma ansiedade inquieta, angustiante, passava-se para outra ansiedade – a da comunhão directa, da comunicação ao vivo, com aqueles amigos, parentes, irmãos em quaisquer circunstâncias que haviam dado sentido àquela velada, àquela vigília!
A euforia cresceu, naturalmente desde que as celas, até há momentos avaras de tão precioso tesouro, onde muitos amigos, companheiros de luta legal ou clandestina, resistentes de todas as idades responsáveis, que nunca se haviam vendido nem rendido ao longo de décadas ominosas sucessivas, estavam, desde logo a servir de cativeiro aos esbirros, aos torcionários, aos torturadores –a servir para “guardar” a partir daquele preciso momento, numa metamorfose de sonho, os que, por boçalidade, por sadismo, por insidiosa formação sub – humana, por perversão de sentimentos, haviam feito valer a lei discricionária e prepotente da qual, por uma ou outra forma, todos viemos a ser vítimas indefesas nestes quase 50 anos decorridos.
Foi depois a longa espera ao vento frio, cortante, daquela noite e daquele cabeço, a espera pela regularização solidária das diferentes siruações dos prisioneiros agora libertos. A espera para a intervenção dos emissários, dos advogados, dos juristas, a fim de serem resolvidas milhentas questões burocráticas sem as quais não era praticável a libertação efectiva.
E foi finalmente o abandono do antro temeroso, o acesso real à liberdade – desta vez para sempre!
Aquela multidão vigilante, ansiosa, alegre, comunicativa, solidária, cantou a plenos pulmões, entoou, em largos coros espontâneos, canções de protesto, marchas revolucionárias, canções do MUD, a lembrar as primeiras lutas legais do post – guerra em 1945, cantou o hino nacional, berrou slogans de combate e esperança. E cantou o Grândola – naquele mais do que em qualquer outro sítio, a terra da fraternidade e da liberdade reconquistada! Tudo isto em impressionante devoção comovida, que se diria religiosa, todavia exaltante, vibrante! Tudo isto em íntima comunicação com os Fuzileiros da Marinha, ali destacados para manutenção de uma ordem, duma disciplina amável, cordial, fraterna – e que, por isso mesmo e porque partia do mais fundo de cada qual, não tinha sequer que impor-se. Resultava da alegria daquela hora em que populares, soldados, marinheiros, irmanados numa epopeia de comum salvação, formavam um corpo único, sólido, robusto, confiante.
Passava da uma hora da madrugada de 26 para 27 quando vencidos os impasses e dominadas as impaciências, os primeiros agora cidadãos restituídos à liberdade plena, apareceram e começaram a juntar-se à multidão, à enorme multidão, aos amigos, aos familiares que em muitos casos já com quase trinta horas de vigília, de espera consecutiva, alimentando-se sumariamente, protegendo-se na noite ventosa e fria, com agasalhos de ocasião – mantas, xailes, cobertores – e aquecendo-se com fogueiras acesas no monte, ali os esperava e esperaria pelo resto da vida se tal fosse necessário! E assim foram surgindo Palma Inácio e o grupo de guerrilheiros da LUAR, Nuno Teotónio Pereira e os seus companheiros cristãos, os elementos do ARA, alegado responsável por sabotagens nas instalações da NATO e outras de igual repercussão, Tengarrinha com seus amigos de acção intelectual e política, jovens raparigas e rapazes, alguns incriminados por assaltos espectaculares a Bancos, estudantes, operários, clandestinos do Partido Comunista –e quantos, quantos mais, enfim recuperados, libertos!
Trocados os abraços, os beijos, secadas as lágrimas, primeiro da dor, da inquietação, depois da alegria incontida, explosiva, foi o transporte triunfal, vibrante, a retirada comovente, naquele lugar de sofrimento, àquela hora a caminho da manhã, através do anfiteatro aberto imenso.
A retirada, finalmente começou por um engarrafamento monstro das centenas e centenas de automóveis que ali, arrumados no monte, ao longo das vias de acesso, nas clareiras das árvores, na vasta plataforma adjacente à Cadeia, ao Forte, por um lado contíguo à mata de Monsanto e por outro voltada para o Tejo, assegurou transporte aquela massa humana ansiosa e que agora com a vitória tanto tempo esperada, não podia reprimir a sua alegria transbordante!
Era o fim do pesadelo, da noite hedionda, fantástica!
Na chegada a Lisboa, pela madrugada, prosseguiam os cânticos da multidão, as manifestações populares de regozijo, pela gesta da revolução vitoriosa, com bandeiras, panejamentos, dísticos, de toda a ordem, nas ruas, nos bairros, no Rossio – e que desde a véspera aplaudiam, saudavam, ovacionavam ruidosamente as Forças Armadas da Libertação.
E cravos, e flores, e sorrisos –um festival de encantamento, de esperança!
Á margem desta alegria, desta euforia, a Polícia de Segurança Pública, agora restituída à sua função cívica, calmamente, serenamente, cumpria o seu papel sem interferências repressivas, que a própria evidência tornara desnecessárias.
E assim foi pelo dia fora. E no dia seguinte!...
Caxias, o Forte de Caxias, o complexo de redutos Norte e Sul de Caxias, é um símbolo da degradação, do aviltamento, da decomposição moral a que chegara o regime deposto.
Complexo de redutos e reduto ele próprio, o Forte, como bem demonstrou quando, batidos, dominados todos os restantes núcleos do sistema no fim da tarde gloriosa de 25 de Abril, ele, o Forte de Caxias, a guarnição que o mantinha e lhe dava trágico sentido, cobardemente escudada na carga preciosa que guardava, os seus cerca de 80 prisioneiros políticos, alguns dos quais figuras lendárias da resistência portuguesa, pólos vivos da luta corajosa de vários anos, entendeu barricar-se no interior e recusar a rendição que lhe era imposta pelo vitorioso exército de libertação, naquele transcendente fim de tarde!
Caxias, modesta povoação sobranceira ao estuário do Tejo, à ilharga da estrada de Lisboa - Cascais, não merece, certamente, o estigma que a presença ali do Forte tenebroso lhe confere, não pelo Forte, naturalmente, mas pelo sinistro uso que a este foi dado – não merece o estigma aviltante consequente da situação que lhe coube em sorte!
É uma reparação que o País deve, por certo, a Caxias, a lavagem da fama imunda, degradante, motivada pela implantação do temor, da angústia, da dor imensa, do sofrimento que o seu simples nome recorda e que muitos dos melhores filhos de Portugal sofreram na própria carne dilacerada!
Na verdade, recusada a rendição dos esbirros perante as forças armadas sitiantes, e alertados os prisioneiros através de morse lançado por cumplicidade externa – esta cumplicidade popular, anónima, solidária, corajosa, tácita, que 48 anos de repressão, de desmoralização, de desafectação moral do fascismo negro não conseguiram eliminar ou sequer reduzir – recusada a rendição, foi toda a demora da noite longa e angustiante de 25 para 26 de Abril; para os cativos, no interior, agora em rebelião mas desarmados e impotentes, todavia; para a massa avassaladora de populares, de familiares, de amigos, de partidários, no exterior e que, naquela hora, temiam a consumação da tragédia que poderia resultar da confrontação violenta que porventura se desenhava e ameaçava explodir!
A insónia durou a noite inteira – fremente de inquietação de angústia, de ansiedade expectante da multidão enorme que, afastada, fazia vigília ininterrupta.
Ao dealbar da manhã, com a rendição dos elementos da GNR encarregados da guarda exterior do Forte, houve o primeiro sinal de derrocada do bastião – o que deu aquela multidão ansiosa, com a esperança da submissão próxima do foco insubmisso, a consciência do agravamento perigoso da segurança dos prisioneiros – amigos, parentes, homens, mulheres, jovens, raparigas e rapazes de formidável capacidade de luta, resistentes intemeratos ao sofrimento á tortura física, psicológica e moral – objecto das técnicas de tortura cientificamente estudadas em Sete - Rios – este outro antro tenebroso torpemente designado de “escola” – a longa privação do sono, a estátua, o isolamento, a alternância de processos ora blandiciosos ora violentos, brutais, visando à destruição das últimas reservas de resistência física e psíquica!
A batalha, a prolongada batalha interior de cada um daqueles devotados amigos havia ainda, depois disso, de durar algumas horas até à rendição final, decisiva, definitiva, da cidadela.
Naquele cabeço do terreno onde, temeroso, isolado, afastado de toda a zona habitada da povoação – excepção feita a um pequeno bairro da lata, miserável, quase contíguo ironicamente desprotegido e desprovido de condições mínimas de habitabilidade face à majestosa e majestática segurança, a todos os níveis do poderoso bastião, - com portas, portinhas e portões de ferro fechados e refechados, casamatas dispersas de betão, fossos, adivinhadas construções subterrâneas; - e polícias, agentes, homens e mulheres de expressão hedionda, em grande parte dos casos, elementos da GNR, carcereiros; - e cães polícias belamente tratados e malevolamente treinados utilizados em missões nas quais, comparsas, representam a própria inocência ultrajada; naquele cabeço do terreno, dizia, o aparecimento sobre os muros e paredes do Forte, das casamatas antes ocupadas pelas sentinelas da Guarda, o aparecimento dos militares sitiantes – dos soldados que eram já, àquela hora, os porta-estandarte da liberdade reconquistada, naquele cabeço escaldante de emocionada expectativa, deu-se a explosão maravilhosa; - a situação fora dominada, os soldados tomavam posse do bastião, e iniciava-se a libertação dos prisioneiros – sãos e salvos todos eles.
A tragédia que se receava, não se consumara!
A abertura subsequente das celas, a seguir a confraternização dos cativos – abraços, beijos, saudações irreprimíveis, pactos, o encontro fraterno com os soldados - irmãos salvadores – tudo isto foi um momento alto naquele antro da ignomínia e da degradação!
Lá dentro no Forte, e cá fora entre a multidão expectante, dava-se agora uma alteração de sentimentos; duma ansiedade inquieta, angustiante, passava-se para outra ansiedade – a da comunhão directa, da comunicação ao vivo, com aqueles amigos, parentes, irmãos em quaisquer circunstâncias que haviam dado sentido àquela velada, àquela vigília!
A euforia cresceu, naturalmente desde que as celas, até há momentos avaras de tão precioso tesouro, onde muitos amigos, companheiros de luta legal ou clandestina, resistentes de todas as idades responsáveis, que nunca se haviam vendido nem rendido ao longo de décadas ominosas sucessivas, estavam, desde logo a servir de cativeiro aos esbirros, aos torcionários, aos torturadores –a servir para “guardar” a partir daquele preciso momento, numa metamorfose de sonho, os que, por boçalidade, por sadismo, por insidiosa formação sub – humana, por perversão de sentimentos, haviam feito valer a lei discricionária e prepotente da qual, por uma ou outra forma, todos viemos a ser vítimas indefesas nestes quase 50 anos decorridos.
Foi depois a longa espera ao vento frio, cortante, daquela noite e daquele cabeço, a espera pela regularização solidária das diferentes siruações dos prisioneiros agora libertos. A espera para a intervenção dos emissários, dos advogados, dos juristas, a fim de serem resolvidas milhentas questões burocráticas sem as quais não era praticável a libertação efectiva.
E foi finalmente o abandono do antro temeroso, o acesso real à liberdade – desta vez para sempre!
Aquela multidão vigilante, ansiosa, alegre, comunicativa, solidária, cantou a plenos pulmões, entoou, em largos coros espontâneos, canções de protesto, marchas revolucionárias, canções do MUD, a lembrar as primeiras lutas legais do post – guerra em 1945, cantou o hino nacional, berrou slogans de combate e esperança. E cantou o Grândola – naquele mais do que em qualquer outro sítio, a terra da fraternidade e da liberdade reconquistada! Tudo isto em impressionante devoção comovida, que se diria religiosa, todavia exaltante, vibrante! Tudo isto em íntima comunicação com os Fuzileiros da Marinha, ali destacados para manutenção de uma ordem, duma disciplina amável, cordial, fraterna – e que, por isso mesmo e porque partia do mais fundo de cada qual, não tinha sequer que impor-se. Resultava da alegria daquela hora em que populares, soldados, marinheiros, irmanados numa epopeia de comum salvação, formavam um corpo único, sólido, robusto, confiante.
Passava da uma hora da madrugada de 26 para 27 quando vencidos os impasses e dominadas as impaciências, os primeiros agora cidadãos restituídos à liberdade plena, apareceram e começaram a juntar-se à multidão, à enorme multidão, aos amigos, aos familiares que em muitos casos já com quase trinta horas de vigília, de espera consecutiva, alimentando-se sumariamente, protegendo-se na noite ventosa e fria, com agasalhos de ocasião – mantas, xailes, cobertores – e aquecendo-se com fogueiras acesas no monte, ali os esperava e esperaria pelo resto da vida se tal fosse necessário! E assim foram surgindo Palma Inácio e o grupo de guerrilheiros da LUAR, Nuno Teotónio Pereira e os seus companheiros cristãos, os elementos do ARA, alegado responsável por sabotagens nas instalações da NATO e outras de igual repercussão, Tengarrinha com seus amigos de acção intelectual e política, jovens raparigas e rapazes, alguns incriminados por assaltos espectaculares a Bancos, estudantes, operários, clandestinos do Partido Comunista –e quantos, quantos mais, enfim recuperados, libertos!
Trocados os abraços, os beijos, secadas as lágrimas, primeiro da dor, da inquietação, depois da alegria incontida, explosiva, foi o transporte triunfal, vibrante, a retirada comovente, naquele lugar de sofrimento, àquela hora a caminho da manhã, através do anfiteatro aberto imenso.
A retirada, finalmente começou por um engarrafamento monstro das centenas e centenas de automóveis que ali, arrumados no monte, ao longo das vias de acesso, nas clareiras das árvores, na vasta plataforma adjacente à Cadeia, ao Forte, por um lado contíguo à mata de Monsanto e por outro voltada para o Tejo, assegurou transporte aquela massa humana ansiosa e que agora com a vitória tanto tempo esperada, não podia reprimir a sua alegria transbordante!
Era o fim do pesadelo, da noite hedionda, fantástica!
Na chegada a Lisboa, pela madrugada, prosseguiam os cânticos da multidão, as manifestações populares de regozijo, pela gesta da revolução vitoriosa, com bandeiras, panejamentos, dísticos, de toda a ordem, nas ruas, nos bairros, no Rossio – e que desde a véspera aplaudiam, saudavam, ovacionavam ruidosamente as Forças Armadas da Libertação.
E cravos, e flores, e sorrisos –um festival de encantamento, de esperança!
Á margem desta alegria, desta euforia, a Polícia de Segurança Pública, agora restituída à sua função cívica, calmamente, serenamente, cumpria o seu papel sem interferências repressivas, que a própria evidência tornara desnecessárias.
E assim foi pelo dia fora. E no dia seguinte!...
Aveiro 12 de Maio de 1974
Afonso Castro Moreira
BEIJOS... 25 de Abril SEMPRE!
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